Original title: The Substance
Diretora: Coralie Fargeat
Roteirista: Coralie Fargeat
Elenco Principal: Margaret Qualley, Demi Moore, Dennis Quaid, Hugo Diego Garcia, Oscar Lesage, Alexandra Papoulias Barton
Duração: 140 minutos
Com um body horror potente, Coralie Fargeat expõe como a nocividade do olhar masculino em Hollywood transforma a autoimagem das mulheres em estrelas decadentes.
Imagine viver a melhor versão de si mesma: uma versão mais jovem, mais sexy, mais desejada, uma versão ainda mais bem-sucedida. Essas são as tentadoras propostas que Elizabeth Sparkles (Demi Moore) recebe quando seu aniversário chega e, com ele, o fim de sua utilidade juvenil para o programa de TV que a levou até a calçada da fama. Tudo o que ela precisa fazer é usar uma substância milagrosa e dividir sua vida com a mais jovem e sensual Sue (Margaret Qualley). Isso, é claro, sem se esquecer que dividem o mesmo corpo.

Se a curiosa premissa de A Substância não tivesse sido suficiente para deixar o público intrigado, o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes de 2024 com certeza foi. A diretora, roteirista e produtora por trás de um dos longas mais aguardados do ano é Coralie Fargeat, que desde 2017 chamou a atenção da indústria com Revenge — seu primeiro longa-metragem — e agora explode nas telonas com críticas provocativas e afiadas tecidas em uma obra que mescla terror, ficção científica e drama psicológico.
Remontando o sucesso da ginástica aeróbica dos anos 1980 nos EUA, A Substância parte dessa ambientação para abordar a plasticidade e artificialidade desse período. Os colãs sintéticos, o consumismo implacável do “american way of life” e a sensualidade infame das estrelas compõem uma sociedade em que imagem é identidade. Nesse contexto, que impacta o ser humano e seu senso de si como um todo, Fargeat faz um recorte perspicaz ao destacar como isso afeta diretamente as mulheres por meio do etarismo e padrões de beleza que vão contra a natureza do envelhecimento. Escalar Demi Moore não foi apenas uma decisão técnica, mas também estratégica, visto que a atriz passou por isso em sua carreira e representa toda uma geração de mulheres que se curvaram diante da indústria para sobreviver e depois foram drenadas e descartadas como meros produtos a serem substituídos. Da mesma forma, escalar Margaret Qualley, que se tornou queridinha da crítica americana por sua performance na minissérie Maid e sua participação no aclamado Pobres Criaturas, para o papel de Sue representa uma geração em seu auge, iludida por sua vendável jovialidade.
Contudo, sejamos sinceros: a autoimagem e a opressão social sofrida pelas mulheres historicamente não são temas exatamente inéditos no cinema recente. O que realmente diferencia A Substância de outros filmes é a forma cinematográfica como expõe isso na tela, deixando o espectador em conflito entre tapar os olhos pelo choque e não piscar pela fascinação. O formalismo opressivamente perfeito conecta a edição de som nítida, os planos detalhes e os jump cuts em uma estrutura que dá ritmo à narrativa e pressuriza a experiência do espectador na mesma medida que a dilata. Além disso, a narrativa organizada em três facetas — divididas entre Elizabeth, Sue e o Monstro — é potencializada pela montagem e enriquece os efeitos do body horror, um subgênero do terror atualmente prolífico para diretoras que representam suas angústias com veracidade e criatividade absurdas. Outra técnica sagaz é a lente utilizada pela direção de fotografia, que distorce a profundidade de campo quando Elizabeth/Sue está diante dos homens, em contraponto com a visão que a personagem tem de si mesma diante do espelho e a que enxerga nos outdoors.
Como descrever, então, uma obra tão emblemática em uma crítica? Em si, é como se a Rainha Má, a Branca de Neve e a Bruxa coexistissem no mesmo corpo e comessem a maçã envenenada todos os dias. Entretanto, em uma percepção mais ampla, o longa talvez seja um desses clássicos instantâneos em que quanto mais você fala sobre ele, mais você tem a dizer – seja sobre cinema, sobre o mundo ou sobre si mesma com debates atemporais.