Eneida
O documentário Eneida, de Heloísa Passos, conhecida diretora de fotografia brasileira, é uma obra bastante pessoal e que foca na figura de sua mãe que dá título à obra. No filme, elas buscam juntas uma maneira de ter contato com a irmã mais velha da documentarista, que rompeu o contato com a família há muitos anos.
É realizado um interessante estudo de personagem da figura de Eneida – uma senhora de 80 anos aparentemente muito saudável, que joga vôlei e carteado com as amigas, mas guarda em si a grande mágoa de não conseguir restabelecer contato com a filha. Além disso, por conta da proximidade com a documentarista, percebe-se que ela fica muito à vontade para explorar seu passado e a relação com os próprios pais, que também teve suas dificuldades devido ao machismo do pai.
À medida em que o filme avança, é criado um relato bastante honesto de quem é essa mulher, entretanto a incógnita sobre o que ocorreu com a relação com sua filha permanece. Neste sentido, muito pouco é explicado aos espectadores, e apesar do filme focar nos sentimentos de Eneida, é difícil para o espectador compreender a gravidade do ocorrido.
O tom é quase investigativo nos momentos em que se tenta contato com a filha que não deseja ser incomodada, com inúmeras ligações, tentativas de conseguir conversar através de terceiros e coincidências quase milagrosas que levam a um avanço. E exatamente por haver este grande foco na figura ausente das cenas, a falta de entendimento sobre o ocorrido se torna realmente algo impossível de transpassar para os espectadores.
Outro grande destaque da obra é a sua fotografia, que mescla a linguagem documental mais óbvia de filmar Eneida reagindo às perguntas de Heloísa com cenas mais poéticas e delicadamente enquadradas. O roteiro, que por tratar dessa investigação tem as interrupções esperadas da vida real de humanos, também tem suas arestas da vida cotidiana muito bem aparadas e consegue trazer o espectador à mesma expectativa da dupla que busca a filha/irmã.
Quando se lê nos créditos finais que a obra é dedicada a todas as mães, compreende-se o quanto é carinhoso que Heloísa tenha feito este cuidadoso estudo sobre a situação de sua mãe, tornando o projeto realmente intimista. No entanto, a ausência onipresente e a falta de discussão sobre o relato da outra filha não permitem que o filme alcance seu potencial completo.
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JFK Revisitado: Através do Espelho
Anos após seu filme ficcional JFK, o diretor Oliver Stone retorna aos cinemas com este longa-metragem que aborda o assunto através da não-ficção, analisando arquivos anteriormente sigilosos. Considerando que no momento de lançamento de JFK o filme foi bem recebido pela crítica mas, considerado politicamente incorreto por conta da sua discordância com a história oficial dos Estados Unidos, esta é uma tentativa de justificativa documental das razões pelas escolhas do passado, contestando a versão oficial do assassinato do presidente. Este é também o seu primeiro filme após ser um dos acusados do movimento #metoo.
Infelizmente, o longa-metragem realmente funciona apenas como justificativa, podendo ser importante para a contestação da verdade histórica, mas sendo extremamente cansativo para o espectador sem tanto interesse e conhecimento técnico sobre o assunto. Com um formato que varia entre as imagens de arquivo narradas por Whoopi Goldberg e Donald Sutherland, e com entrevistas que mostram apenas os entrevistados em frente a um fundo preto, não há elementos capazes de manter a atenção da audiência.
Assim, o documentário levanta diversos pontos que indicam uma realidade divergente da história, mas diferentemente do que ocorre no documentário indicado ontem, Tantura, isto é feito de maneira impessoal. Ainda que, de maneira similar, se crie uma contestação da versão oficial da história considerando as necessidades do Estado, ele não consegue provocar o mesmo tipo de empatia e impacto – até porque grande parte do impacto do longa-metragem israelense está na transparência e objetividade dos entrevistados.
Finalmente, é interessante que um diretor tenha a oportunidade de fazer tal análise anos após lançar um filme polêmico. É essencial frisar, no entanto, que mesmo após a liberação dos documentos para o público, a Casa Branca não alterou a sua versão oficial sobre os fatos.
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