Facing War (Noruega e Bélgica, 2025)
Título Original: Facing War
Direção: Tommy Gulliksen
Duração: 105 minutos
Considerando a importância do retratado e a sua relevância na política mundial em um mundo no qual a Guerra Rússia-Ucrânia segue acontecendo, Facing War é um documentário que segue fórmulas clássicas para apresentar Jens Stoltenberg, ex-secretário geral da OTAN. Ainda acompanhando seu dia-a-dia durante seu mandato, a ideia do documentário seria acompanhar seu processo de aposentadoria – mas Joe Biden pede que ele fique no cargo por mais um ano, tentando seguir uma ideia de encerramento da guerra. Aos poucos, através dos exemplos das ações de seu dia-a-dia, conhecemos o seu desgastante trabalho e a importância de líderes políticos importantes como ele em um mundo à beira de um colapso.

O que a obra explora mais intensamente é a própria figura de Stoltenberg, desde suas maneiras não verbais de demonstrar apoio e confiança até sua paciência infinita em revisar discursos até a última vírgula para garantir que a mensagem correta esteja sendo passada da forma correta para os outros líderes mundiais. Nos dando uma pequena noção da quantidade de informação que ele mantém em sua mente para realizar negociações e concessões, o filme consegue prestar uma bela homenagem a um homem pouco conhecido fora dos países da OTAN, apresentando seu trabalho para um público mais amplo.
O filme faz um trabalho muito eficiente em condensar as suas ações por aproximadamente um ano, até sua aposentadoria, dando a noção da complexidade de seus movimentos ao mesmo tempo em que não é verborrágico em explicar cada detalhe. Conseguimos compreender a dimensão do que nos é apresentado, mas com uma edição elegante que não deixa o longa-metragem massante. Assim, mesmo que por vezes pensemos que o tom se aproxima muito do jornalístico, o filme consegue manter o interesse do espectador em sua longa duração (para um documentário) e nos apresentar essa espécie de super-homem da modernidade.
The Father, The Sons and The Holy Spirit (Dinamarca, 2025)
Título Original: Faderen, Sønnerne og Helligånden
Direção: Christian Sønderby Jepsen
Duração: 97 minutos
Ainda que eu não tenha assistido o filme anterior do cineasta, The Will, saber que ele também está relacionado aos desdobramentos da família retratada em The Father, The Sons and The Holy Spirit explica bastante sobre como este filme foi gravado. Isso porque temos acesso ao dia-a-dia de Henrik e sua família de maneira muito aberta e crua. Assim, compreender que este é um processo que acontece entre documentarista e documentado desde 2010 realmente explica a confiança mútua entre eles.

Dito isso, começamos o filme quase nos sentindo em um projeto de ficção, tamanha a preocupação com enquadramentos e acesso quase ilimitado a este familiares. Compreendemos que Henrik e seu irmão Christian estão passando por um complexo caso relacionado à herança do pai e às possibilidades de um dia se tornarem herdeiros de grandes somas. E, demonstrando um excelente controle da narrativa, só aí que o diretor compartilha um pouco do passado dos dois, desde a relação familiar prévia já abusiva entre pai e filhos, até a dependência em drogas de Christian. O próprio diretor nos dá tempo de criar julgamentos em relação aos personagens, tentando se manter o mais neutro o possível em sua introdução para permitir a identificação.
Assim, passamos os dois primeiros terços da obra imersos nessa disputa familiar, pensando nessas relações sanguíneas complexas – que encontram eco em quase todas as famílias do mundo. Há também um belo retrato tanto do amor fraterno, com Henrik e Christian se unindo para tomar providências em relação ao pai, quanto do amor entre pais e filhos, com Henrik tentando se tornar alguém melhor como exemplo para os seus filhos, na mesma medida em que seu filho também se esforça ao máximo para evitar o ciclo negativo no qual o pai está envolvido.
Essas relações já dariam um belo filme, mas é no seu último terço que o documentário consegue ganhar ainda mais potência quando a vida de Christian tem uma mudança abrupta. O documentarista consegue captar um dos processos mais assustadores deste século, que é a radicalização de homens brancos e de meia idade, classe média-baixa, por se sentirem excluídos da sociedade. Obviamente, é um daqueles casos no qual acontece o pior para a vida e o melhor para o filme, criando uma sub narrativa ao mesmo tempo assustadora e esclarecedora.
Se começamos o filme pensando que se tratará de uma história de problemas de pessoas brancas que não têm noção de como é a vida fora de um país com políticas assistencialistas, terminamos com a desesperança de que, infelizmente, o comportamento humano muitas vezes será igual independentemente da oportunidade.
Flophouse America (Noruega, Holanda e EUA, 2025)
Título Original: Flophouse America
Direção: Monica Strømdahl
Duração: 80 minutos
Em mais um documentário bastante pessoal, Flophouse America também só foi possível de ser executado porque a diretora já realizava um trabalho documental fotográfico com a família. Monica Strømdahl conheceu Mikal, o garoto do filme, quando estava hospedada no hotel retratado no longa-metragem, e no qual o garoto viveu desde o momento em que nasceu. Após um tempo em contato com ele, ela inicia o que seria um projeto fotográfico sobre o dia-a-dia da família, considerando o pai e mãe adictos em álcool e o garoto tentando sobreviver em meio ao caos.

Seu processo ao longo do filme foi o de se tornar invisível para permitir que o dia-a-dia da família funcionasse da maneira mais rotineira possível. Com isso, ela conseguiu captar momentos aos quais raramente se teria acesso e que retratam uma classe econômica baixa americana de forma que poucos filmes, ficcionais ou documentários, consegue. Há uma exposição de uma série de problemas que vão desde a falta de assistência do governo até a ausência de um bom processo para ajudar com a adição em álcool, mas a diretora consegue se manter isenta de criar juízos de valores através de ângulos ou montagem apelativas. Pelo contrário, ela faz questão de mostrar momentos de carinho entre a família assim como a briga, deixando claro que ali não se trata de uma questão de índole ou de serem más pessoas.
Temos uma ausência profunda como protagonista do filme. Não exatamente a ausência de afeto, mas a ausência de alguém que se importe. Neste caso, a cineasta se coloca como a pessoa invisível que quer suprir essa ausência, mas que sabe também das limitações de seu próprio trabalho. O cinema tem essa capacidade de dar voz às pessoas passando por opressões, e a diretora reconhece esse poder inclusive ao escolher filmar ao invés de fotografar a família.
A obra, então, consegue ser tocante sem ser piegas, e deixar o espectador desesperado querendo ajudar as pessoas em cena. Cumpre-se uma função social ao mesmo tempo em que se cria uma obra de arte.
We Live Here (Cazaquistão, 2025)
Título Original: Мы здесь живем
Direção: Zhanana Kurmasheva
Duração: 80 minutos
Existem alguns temas que, por conta de sua urgência na atualidade, acabam recebendo uma atenção documental de vários diretores ao mesmo tempo. É o que acontece em relação aos locais onde ocorreram testes nucleares, que atualmente ou se tornaram inabitáveis ou são habitados por pessoas que estão ficando doentes e não deveriam estar ali. Ainda que exista mais do que um filme sobre alguma situação parecida, We Live Here tem ao seu favor sua localização bastante única no Cazaquistão, país que além de tudo foi o primeiro a abrir mão de armamentos nucleares. Um dos fatores que o ajuda a se sobressair é sua história completamente particular que se inicia durante o período da União Soviética e que muda drasticamente de caminho quando o país se torna independente.
Mas para além da história, existe o modo como ela é contada. No filme, escolhe-se uma narrativa fragmentada, com diversas frentes sendo colocadas como elementos para o público analisar. Temos a história de um pai preocupado que a anemia da filha seja causada por radiação, um ambientalista que mede seus níveis na região, e até uma população nômade local, que segue completamente alheia aos acontecimentos. E, se por um lado essa escolha ajuda a criar uma dimensão do tamanho do problema e de suas consequências, por outro acaba tornando o filme confuso, com idas e vindas sem uma lógica muito clara aos espectadores.
O seu desenvolvimento é bastante satisfatório, com uma combinação entre a fotografia e montagem que causam um impacto gigantesco nos espectadores. Existe inicialmente uma fotogenia ligada à região, com seu contraste entre a aridez da terra e o azul profundo do céu. Uma montagem inteligente também consegue fazer com que as informações sejam transmitidas de forma orgânica e pouco cansativa. Mesmo que existam alguns outros documentários semelhantes, aqui acontece uma aproximação bastante única que faz com que ele se destaque na memória ao pensarmos no assunto.
Ainda que tenha alguns problemas em sua abordagem, o filme é extremamente eficaz para trazer diversos olhares diferentes sobre o assunto e informar o espectador sobre o problema sem criar um tom de reportagem ou aula. Assim, é o seu tom único que o faz se tornar tão especial.
Copan (Brasil e França, 2025)
Título Original: Copan
Direção: Carine Wallauer
Duração: 99 minutos
Para qualquer morador de São Paulo, ou mesmo para pessoas que visitam a cidade, o Copan é um edifício de destaque. Não apenas pela sua arquitetura curvilínea que consegue se diferenciar de todos os arranha-céus espelhados que estão se multiplicando pela cidade, mas também por ser um espaço de convivência bem no centro da cidade que passou por uma revitalização importante nos últimos anos. Saber que um documentário sobre esse lugar foi realizado é um marco bastante importante quando pensamos na manutenção da memória e história da cidade.

Ao mesmo tempo em que isso cria uma expectativa, existe mais um fator que precisamos levar em conta quando pensamos no caso específico de documentários brasileiros sobre prédios, que é o Edifício Master (2002) de Eduardo Coutinho, que certamente marcou o modo de se fazer filmes do gênero no país. É necessário, no entanto, se despir completamente dessas expectativas e pensamentos porque Copan possui uma proposta diametralmente diferente. Ele não quer explorar quais são as histórias humanas presentes naquele prédio, mas sim como aquele espaço influencia e é influenciado pelas dinâmicas humanas no centro de São Paulo.
Quando pensamos nisso, a ideia de um documentário que flerta com a ficção científica faz sentido. Por mais que estejamos falando sobre um espaço real, também lidamos com uma joia brutalista que carrega um ideal de convivência e integração cada vez menos presente nas obras da cidade. Para além do concreto aparente, o prédio tinha como ideia permitir habitação para classes sociais diferentes, diminuindo de alguma forma a diferença entre as pessoas. E colocar cenas de drones que mostram esse gigante arquitetônico com uma trilha sonora complexa faz com que a reflexão do espectador vá em um caminho interessante.
Pensar em momentos como a reunião de condomínio, no qual diversas pessoas querem se livrar do síndico atual, mas ninguém se coloca disposto a fazer o seu trabalho, também gera essa reflexão sobre a vida em sociedade nos anos 2020. O mesmo tipo de pensamento passa na mente ao observar a celebração da eleição de Lula com uma pessoa em situação de rua sendo retirada da comemoração, pelo bar Copanzinho se tratar de propriedade particular.
A documentarista tem um olhar muito sensível para tratar dessas idiossincrasias, até por ter sido ela mesma moradora do prédio. Entre isso e as imagens que mostram os bastidores do prédio, com as salas de convivência dos funcionários e o ápice do filme, de representação de alguns deles na cobertura do prédio, falando sobre seus sonhos de celebração ali, temos o perfeito retrato da máquina de moer gente assustadora que o tom de sci-fi propõe à obra.
É quando o filme tenta se colocar nas questões mais latentes da sociedade nas últimas eleições que ele acaba perdendo a sua força por se tornar um retrato específico de uma época. Claro que toda obra é feita em um período e sobre um período, mas ainda que a dinâmica entre Lula e Bolsonaro também reflita parte desse conflito do ideal da cidade versus a cidade real, perde-se a perpetuidade temática que funciona como espinha dorsal da obra, se tornando mais um filme sobre as eleições de 2022.
Entre estes defeitos e qualidades, a obra é um movimento ousado em relação aos documentários brasileiros mais tradicionais, e consegue romper a tradição através de uma obra visualmente significativa e que certamente encontra os seus ecos em toda grande metrópole brasileira. Que o Copan nos ajude a repensar como escrever as nossas histórias, ao invés de nos tornarmos apenas uma reunião virtual na qual é possível silenciar todas as vozes que conflitam com a nossa visão de mundo.