Crítica | Missão: Impossível 2

Missãi: Impossível 2 (EUA, 2020)

Título Original: Mission: Impossible
Direção: John Woo
Roteiro: Bruce Geller, Ronald D. Moore e Brannon Braga
Elenco principal: Tom Cruise, Dougray Scott, Thandiwe Newton, Ving Rhames, Richard Roxburgh, John Polson, Brendan Gleeson e Rade Serbedzija
Duração: 123 minutos

Entre Espelhos e Máscaras: a dualidade autoral nos dois primeiros Missão: Impossível

Uma das maiores qualidades das franquias longevas está justamente na forma como elas se reinventam ao longo do tempo — e, muitas vezes, isso passa diretamente pela troca de diretores. É o caso de Missão: Impossível, que em seus dois primeiros capítulos revela um contraste fascinante entre visões cinematográficas distintas, que moldam não apenas o tom das histórias, mas a própria natureza do herói Ethan Hunt.

No longa inaugural, Brian De Palma imprime sua assinatura com precisão milimétrica. Conhecido por seu domínio da linguagem visual, De Palma estrutura o suspense como um quebra-cabeça de imagens e percepções, onde o jogo de espelhos, sombras e silêncios importa tanto quanto as explosões. Seu Missão: Impossível é quase um noir moderno, com forte atmosfera de paranoia e manipulação. A ação está a serviço do mistério, e não o contrário. Em vez da grandiloquência, o diretor aposta em tensão crescente, subversão de expectativas e composições que flertam com o expressionismo — um cinema onde o estilo é tensão e a imagem, enigma.

Do outro lado do espectro, Missão: Impossível 2 surge como um espetáculo completamente distinto. John Woo transforma o thriller cerebral em ópera de ação estilizada. Vindo do cinema de Hong Kong, o diretor injeta na franquia uma energia quase balética, onde tudo — da edição aos enquadramentos — visa o impacto estético. Cores saturadas, câmera lenta, explosões coreografadas como dança: Woo conduz o filme como quem encena um mito, em que o herói não apenas age, mas performa. O foco desloca-se do quebra-cabeça mental para o melodrama visual. Aqui, o olhar dos personagens não é apenas um detalhe: é o eixo da emoção, da paixão, do conflito.

Se De Palma vê o espião como peça de uma engrenagem geopolítica em ruínas, Woo o enxerga como figura trágica, dotada de sentimentos grandiosos e gestos teatrais. A trama simplória — um vírus mortal, uma mulher dividida entre dois homens — serve apenas de base para uma construção hiperbólica da ação como espetáculo. Máscaras, traições, promessas de amor e sequências absurdamente plásticas (como o duelo de motos ou o prólogo de escalada) compõem um universo onde a verossimilhança é secundária frente à beleza do gesto.

Curiosamente, em tempos mais recentes, quando filmes como RRR encontram aclamação internacional justamente por seu excesso calculado, Missão: Impossível 2 ganha nova luz. Sua recusa à sobriedade, seu culto ao maravilhoso e ao estético, parecem mais compreendidos — ou ao menos mais aceitos — por uma plateia que voltou a se encantar com o cinema de sensação.

Essa alternância entre estilos — do suspense contido de De Palma à explosão emocional de Woo — marca não apenas uma transformação de tom, mas uma afirmação de que o cinema de ação também é território fértil para autorias fortes e distintas. E embora o segundo capítulo da saga tenha soado deslocado à sua época, hoje ele se destaca como peça excêntrica, sim, mas essencial para o entendimento da pluralidade que a franquia viria a abraçar. Entre espelhos e máscaras, Missão: Impossível constrói, desde o início, um caminho onde cada filme pode ser o reflexo de seu diretor — e Ethan Hunt, o herói que transita entre visões, estilos e mitologias.

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