Aurora (Brasil, Portugal e França, 2025)
Título Original: Aurora
Direção: João Vieira Torres
Roteiro: Marcelo Caetano, João Vieira Torres e Deborah Viegas
Duração: 130 minutos
Talvez até mais do que um filme, Aurora seja uma jornada que somos convidados a adentrar com o diretor João Vieira Torres. Ele nos explica, já no início da obra, que ele está sendo atormentado por fantasmas que não via desde que saiu do Brasil – no momento, especificamente de sua avó Aurora, que foi uma parteira e que retorna pedindo para que ele olhe para as crianças que ela ajudou a trazer ao mundo. Ele nos apresenta à sua vida atual, na França, vivendo em uma charmosa biblioteca e tendo um estilo de vida livre e progressista. Então, nos convida a se juntar a ele nessa busca sobre sua própria história e de sua família, que são bastante significativas quando pensamos na história mais recente do nosso país.

Como em muitas outras obras das mostras competitivas do 14º Olhar de Cinema, é muito claro que o filme se trata tanto de uma obra bastante pessoal quanto de uma busca do próprio diretor pela sua identidade em um sentido mais profundo da palavra. Não apenas pensando em quem ele é, mas em como ele se tornou essa pessoa, e qual foi a trajetória de seus parentes antes de si. Conversando principalmente com as figuras femininas de sua família, ele vai remontando à quem foi Aurora, e quais são os ciclos que seus familiares conseguiram ou não romper entre as últimas gerações.
Se em um primeiro momento essa ideia pode parecer autocentrada, o filme consegue desconstruir essa sensação rapidamente. Primeiramente, por conta de toda a exposição que o diretor faz de si, tanto em relação à homofobia que sofreu de seus familiares até o seu desejo honesto de reconciliação com a situação para poder abrir mão desses seus fantasmas. Mas além disso, por mais específica que a vida dessas pessoas seja, elas falam sobre um movimento que aconteceu em todo o país, tanto de fluxos migratórios do interior do estados para as capitais, quanto do sofrimento de violências de gênero e raça que se perpetuaram e parecem finalmente estar sendo colocadas sob um holofote. E reconhecer, é óbvio, é o primeiro passo para que alguma mudança possa ser proposta.
Conseguindo manter as rédeas do ritmo da obra mesmo quando poderia tomar rumos mais sensacionalistas e talvez até mais populares, o filme funciona muito como um fluxo. Ele permite aos espectadores a criação de conexão com a sua história e explica bem todo o processo de documentação realizado, sem nunca acelerar demais. Isso ajuda a criar bem o espaço de familiaridade que é desejado e mantém o foco na história a ser contada. Também pensando no trabalho de edição, a escolha dos trechos compartilhados também é excelente, com momentos extremamente tensos sendo contrabalançados por momentos mais leves e até divertidos.
Assim, percebemos que ainda que seja também uma espécie de terapia pessoal, o filme alcança uma universalidade e reflete um pouco a crise de identidade que o nosso país está vivendo, mesmo que não esteja falando diretamente sobre ela.