Resenha | O Deserto de Akin

O Deserto de Akin (Brasil, 2024)
Título Original: O Deserto de Akin
Direção: Bernard Lessa
Roteiro: Bernard Lessa 
Elenco: Reynier Morales, Ana Flávia Cavalcanti, Guga Patriota, Welket Bungué, Patricia Galleto
Duração: 78 min
Distribuição: Retrato Filmes

O Deserto de Akin parte de uma premissa que parece saber exatamente onde quer chegar: reunir, num único filme, todos os estereótipos que a extrema-direita costuma associar ao cinema brasileiro e ao campo progressista. E, de fato, há algo provocativo nessa escolha. No entanto, Bernard Lessa se contenta em apenas colecionar esses elementos, sem jamais tensionaá-los ou articulá-los com acidez, humor corrosivo ou vigor narrativo. O resultado é uma obra que, paradoxalmente, busca falar de tudo, mas termina dizendo muito pouco.


O filme inicia com um gesto que carrega uma metáfora quase explícita: um médico atende uma jovem indígena e a diagnostica como candidata a transplante de córnea — é preciso “fazer o povo enxergar de novo antes que seja tarde demais”. A ideia é clara e até sensível, mas não encontra eco no restante do filme, que se perde em subtramas e simbolismos largados pela tela, como peças soltas de um quebra-cabeça que nunca chega a se formar.


Talvez a maior fragilidade de O Deserto de Akin seja sua recusa em ir além da superfície. Temas urgentes são lançados, mas abandonados antes de ganhar consistência; personagens surgem, mas raramente se desenvolvem além de seu papel funcional junto ao protagonista. Mesmo este, que por momentos parece avançar, acaba retrocedendo sem que isso pareça intencional, quase como se a narrativa esquecesse de seguir adiante. É um filme que começa várias vezes, mas hesita em chegar a algum lugar.


E, diferente de outras obras que assumem a fragmentação como recurso para expressar o caos ou o desencanto de uma geração, O Deserto de Akin soa desarticulado. A sensação que permanece é a de que as boas intenções nunca encontram a forma justa ou o pulso que as transformaria em cinema vivo e vibrante. Faltou contundência, o passo alé, que pudesse transformar a caricatura em sátira, o discurso em experiência sensorial, o gesto simbólico em força de imagem.


Na melhor das hipóteses, O Deserto de Akin é um filme inofensivo; na pior, é um convite ao descrédito de quem já torce o nariz para o cinema político nacional. Ainda que carregue uma melancolia sincera e uma vontade de tocar em feridas, lhe falta justamente a coragem de aprofundá-las ou ao menos expô-las com alguma ironia ou rebeldia. É, no fim das contas, um filme que se contenta em apontar para o deserto sem jamais atravessá-lo.

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