Especial | Crítica | Corra Que a Polícia Vem Aí

Título: Corra que a Polícia Vem Aí! (Estados Unidos, 1988)
Título Original: The Naked Gun: From the Files of Police Squad!
Direção: David Zucker
Roteiro: Jerry Zucker, Jim Abrahams, David Zucker e Pat Proft
Elenco principal: Leslie Nielsen, Priscilla Presley, Ricardo Montalbán, George Kennedy, O.J. Simpson e Jeannette Charles
Duração: 1h25min (85 minutos)
Disponível em: Netflix

De maneira quase hipnótica, é impressionante como as obras do trio ZAZ – especialmente Apertem os Cintos… e Corra que a Polícia Vem Aí constroem não apenas a piada, mas um ecossistema inteiro onde o riso nasce, respira e se transforma. Há algo de artesanal na forma como David Zucker concebe a comicidade: um humor que brota tanto da palavra quanto da imagem, explorando a profundidade de campo, o detalhe do cenário, a distração do personagem que se perde em elementos do próprio ambiente. É quase como se estivéssemos diante de uma coreografia de gag visual e verbal que se retroalimenta a cada minuto.

É curioso perceber que, sob a superfície da paródia ao cinema neo-noir e à espionagem oitentista, existe também uma crítica aguda às narrativas formulaicas de Hollywood: ameaças que nunca se concretizam, tramas tão frágeis quanto a postura sisuda de um detetive que tropeça em cada pista que encontra. Mas é justamente aí que o humor floresce com mais força: a piada não se esgota no instante em que é apresentada; ela se prolonga, se distorce, retorna em outra camada, como o carro da polícia que invade lugares improváveis até o clímax surreal de passear numa montanha-russa.

E claro, nada disso funcionaria tão bem sem a entrega absoluta de Leslie Nielsen, cuja graça nasce do contraste entre a solenidade inabalável do olhar e o absurdo ao seu redor. Sua seriedade quase documental é o que empresta verossimilhança ao disparate, elevando o riso ao estado mais puro, quase involuntário. É elegante essa recusa de recorrer ao escárnio ou ao cinismo fácil: trata-se de um humor que, mesmo décadas depois, permanece fresco, gentil, quase inocente.

Talvez o mais fascinante seja notar que o cinema de David Zucker aposta sempre na hiperatividade do olhar: como se cada objeto de cena fosse uma oportunidade para desviar a narrativa, multiplicar sentidos, dobrar a piada até o limite do surreal. É um humor que se constrói pelo acúmulo, pela repetição que nunca soa gratuita, pois cada vez que retorna, se reinventa e surpreende. É, em última análise, uma celebração do nonsense como linguagem estética, e não como descuido.

Assistir a esses filmes hoje é revisitar um tipo de comicidade que parece ter se tornado rara: aquela que não precisa humilhar, ofender ou se apoiar no choque. É uma fantasia cômica que confia na força da imagem, na precisão do gesto, na musicalidade do texto. E talvez por isso mesmo, envelheça como vinho: não porque ignore o tempo, mas porque entende que rir, no fundo, é sempre uma questão de olhar o mundo de novo e encontrá-lo deliciosamente sem sentido.

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