Crítica | Filhos

Filhos (França ,Dinamarca e Suécia, 2024)
Título Original: Vogter
Direção: Gustav Möller
Roteiro: Gustav Möller, Emil Nygaard Albertsen
Elenco principal: Sidse Babett Knudsen, Sebastian Bull, Dar Salim, Marina Bouras, Olaf Johannessen
Duração: 1h40min (100 minutos)
Distribuição: Mares Filmes

Thriller psicológico dinamarquês questiona noções de justiça, perdão e redenção

Eva. É em torno dessa protagonista, com nome formado por apenas três letras, que gira a história de Filhos, novo longa-metragem dirigido por Gustav Möller. Agente penitenciária, ela conquista nossa confiança e empatia logo nos primeiros minutos de duração do filme, com sua postura idealista e crédula na reabilitação dos detentos. Eva (Sidse Babett Knudsen) os ajuda com a lição escolar, acalma brigas entre eles e os incentiva a praticar meditação guiada para processar os sentimentos reprimidos.

No entanto, ela guarda um segredo. A chegada de um jovem do seu passado (Sebastian Bull Sarning) a perturba, e o desejo por justiça a obriga a pedir a transferência dele para a ala de segurança máxima. A partir desse momento, conhecemos outro lado da personagem: alguém rancorosa e vingativa, que cospe na marmita dele, o tortura discretamente e cria gatilhos para que ele tenha ataques de raiva.

O roteiro de Möller e Emil Nygaard aposta não só na tensão moral e ética de Eva, mas também na do próprio espectador. Estamos dispostos a defendê-la ou também tornaremos essa mulher ré? O dilema dela ocorre em paralelo ao nosso e se encaminha para limites cada vez mais estreitos nas definições de justiça e perdão. A policial, antes íntegra — com um coque impecável, uniforme passado e semblante leve —, agora anda com fios de cabelo desgrenhados, olhos amargos e um casaco que lhe engole a alma pelo peso e pelas cores escuras.

Nesse sentido, o thriller psicológico se consolida nos detalhes. Em diversas cenas, observamos Eva por trás de grades e, semelhante aos homens que cumprem pena por seus crimes e enfrentam a solitária por acessos de mau comportamento, a assistimos aprisionada pela culpa e pelo trauma familiar. Pautada em uma performance contida, Sidse Babett Knudsen represa o pior de si enquanto torna o silêncio suas algemas.

Duas cenas conversam com os sentimentos que a agente não verbaliza. A primeira delas ocorre logo após a mudança para o setor mais violento do presídio. Seu chefe a orienta a tirar a gravata, referindo-se ao acessório como uma “coleira”, dando vazão ao seu lado mais feroz e agressivo. Em outra, Eva vai até a academia para discutir a proibição de visitas de Mikkel com seu superior. O ambiente insalubre, a iluminação fraca, o heavy metal na caixa de som e o oficial que desconta sua raiva no saco de pancada revelam o interior em erupção da personagem.

Apesar de eficiente, a direção de Gustav Möller perde potência na segunda metade de Filhos. O cineasta ficou conhecido por seu longa de estreia, Culpa — suspense telefônico que deu origem à adaptação americana com Jake Gyllenhaal, produzida pela Netflix —, e aqui nos comprime em ambientes claustrofóbicos, longe da luz do dia, no primeiro e no segundo ato da narrativa, com a rotina e as incógnitas sobre o que entrelaça a guarda e o detento.

Entretanto, perde força ao abrir mão do confinamento físico e emocional deles para desdobrar suas questões internas. O segmento no mundo externo encontra dificuldades em nos contextualizar sobre suas vidas e motivações, o que não resulta na compreensão mais eficaz possível.

Dessa maneira, Filhos se sobressai ao propor um estudo de personagem, decupando cada parte de Eva e contrapondo sua essência ao peso do fardo que carrega. Existe, sim, uma falta de calibragem, mas o filme estaciona bem na reta final ao tocar em pontos como esperança e redenção. Afinal, como outro agente penitenciário sentencia: “Nem todos podem ser salvos”.

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