Crítica | Cobertura 2º Festival Filmes Incríveis | A Useful Ghost

A Useful Ghost (Tailândia, França, Singapura, Alemanha, 2025)
Título Original: A Useful Ghost (ผีใช้ได้ค่ะ)
Direção: Ratchapoom Boonbunchachoke
Roteiro: Ratchapoom Boonbunchachoke
Elenco principal: Davika Hoorne, Witsarut Himmarat, Apasiri Nitibhon, Wanlop Rungkumjud e Wisarut Homhuan
Duração: 2h e 10 minutos (130 minutos)

Fábula tailandesa transita entre romance, comédia e drama social, mas se perde na própria ousadia narrativa

Desmembrando A Useful Ghost, é possível assistir a dois filmes em um. Um deles fala sobre amores impossíveis, acompanhando o romance de três casais: um consumidor insatisfeito com seu aspirador de pó possuído e um técnico impostor; o fantasma de uma mulher e o herdeiro de uma fábrica de aspiradores; e dois operários que vivem um caso secreto.

Nesse aspecto, o roteiro explora os obstáculos materiais e imateriais enfrentados pelos personagens, enraizados em uma tradição cultural tailandesa conservadora que reprova relacionamentos homoafetivos ou entre pessoas de classes sociais diferentes. A direção de Ratchapoom Boonbunchachoke adota tons eróticos cômicos que rendem alguns dos melhores momentos do filme — como as cenas quentes entre March (Witsarut Himmarat) e o aspirador que incorpora o espírito de Nat (Davika Hoorne), quando ela retorna para salvar o marido de morrer da mesma doença respiratória que a matou.

A fantasia expande a imaginação do espectador ao mostrar como os amores fantasmagóricos são sustentados pelas memórias de quem ainda está vivo. O tom dramático, com amantes desaparecendo conforme são esquecidos, contrasta com a leveza inicial à medida que a narrativa avança.

Por outro lado, A Useful Ghost também é uma história sobre luta de classes. A fábula assombrosa contada pelo técnico misterioso a um cliente insatisfeito começa com a morte de um funcionário durante o expediente, consequência do descaso da dona da fábrica — mãe de March. Com sede de vingança, ele retorna para sabotar a linha de produção ao possuir as máquinas industriais. Uma empresa produtora de aspiradores perde a licença por causa da poeira acumulada nos cantos — irônico, não?

A relação de Nat com a sogra passa a ser pautada pelo serviço que ela presta: apagar a memória do amante do trabalhador morto para que ele seja esquecido e deixe de assombrar os negócios. Não por acaso, o figurino da protagonista tem o mesmo tom de azul dos operários, transmitindo a exploração análoga à escravidão que ambos suportam.

O problema é que essa antologia de temas não parece intencional. Ratchapoom Boonbunchachoke, também responsável pelo roteiro, parece querer convergir tudo em uma espécie de espiral narrativa, na qual o público atravessa diversos núcleos e acontecimentos até chegar a uma síntese clara. No entanto, terminamos A Useful Ghost nos perguntando sobre o que, afinal, trata a história que acabamos de ver. É fantasia, comédia ou romance? É sobre desigualdade social ou amor? Poderia ser tudo isso, mas acaba sendo um pouco de tudo e nada ao mesmo tempo.

Tente escrever uma sinopse sobre este filme e você perceberá o quão complexo é defini-lo. E isso não é uma tentativa fracassada de resumir uma grande história, mas um sintoma de como a experiência de assisti-lo pode ser obtusa.

A originalidade de Boonbunchachoke, no entanto, foi reconhecida mundialmente. A Useful Ghost venceu o Grand Prix AMI Paris na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2025, tornando-se o primeiro título tailandês laureado na categoria. A conquista talvez tenha relação com a proximidade estilística que o longa-metragem de estreia do cineasta tem com o célebre Parasita, de Bong Joon-ho. A diferença está na naturalidade cinematográfica com que o sul-coreano constrói tudo no melhor filme do século XXI e na bagunça criativa de pouco mais de duas horas com que Boonbunchachoke catapulta o cinema tailandês para o cenário mundial.

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