Crítica | Cobertura 2º Festival Filmes Incríveis | Panopticon

Panopticon (Geórgia, 2024)
Título Original: Panopticon
Direção: Joel Foster Finn
Elenco principal: Malkhaz Abuladze, Data Chachua, Levan Gabrava, Salome Gelenidze, Maia Gelovani
Duração: 1h35min (95 minutos)

Coming-of-age georgiano se inspira no clássico Os Incompreendidos para abordar abandono parental e repressão sexual

No final do século XVIII, o filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham criou o Panóptico, um modelo de prisão pensado para moldar o comportamento dos detentos a partir de um conceito arquitetônico que buscava tornar a vigilância mais eficiente e menos custosa. A estrutura consistia em um edifício circular, com as celas dispostas ao redor de um pátio interno. No centro, uma torre de observação com janelas que impediam os prisioneiros de ver quem os vigiava. Assim, os presos internalizavam a vigilância pela simples possibilidade de estarem sendo observados a todo momento.

Com o tempo, o conceito saiu do mundo material para o simbólico, inspirando obras como o renomado Vigiar e Punir, de Michel Foucault, e tornando-se uma metáfora do poder disciplinar. Em seu longa-metragem de estreia, o diretor George Sikharulidze não apenas intitula o filme de Panóptico, como também se baseia nesse conceito para tecer críticas à ultradireita e ao conservadorismo moderno.

Para contar essa história, Sikharulidze nos apresenta Sandro (Data Chachua), um adolescente com os hormônios à flor da pele, que questiona seu lugar no mundo depois que o pai o deixa morando com a avó materna para se tornar monge em um mosteiro isolado. Também distante da mãe, que trabalha no exterior, ele se aproxima do radical Lasha (Vakhtang Kedeladze) e se alinha a movimentos políticos de extrema-direita. Sem suporte familiar, Sandro enfrenta dilemas ligados à sexualidade e às crenças pessoais enquanto tenta definir sua identidade.

O texto de Sikharulidze, também responsável pelo roteiro, embala a base filosófica bem fundamentada em um coming-of-age pensado à luz de Os Incompreendidos (1959). Assim como o protagonista do drama de François Truffaut, Sandro se torna vítima de suas próprias vulnerabilidades por conta do abandono parental. Ambos buscam pertencimento por caminhos equivocados, movidos pela falta de uma orientação capaz de aquietar as angústias do amadurecimento. Enquanto Antoine Doinel, personagem principal do clássico francês, se envereda para o mundo do crime, Sandro é capturado pelo discurso de ódio extremista do novo amigo.

Com uma filmografia enxuta, formada por três curtas-metragens até então, Sikharulidze tem o citado filme francês como essência de sua abordagem autobiográfica e emocional. Ele imprime a influência da obra pioneira da Nouvelle Vague de maneira direta — exibindo o filme na TV dos personagens — e indireta, ao explorar conflitos narrativos semelhantes em uma roupagem contemporânea. Não alcança a mesma ousadia no estilo e na linguagem cinematográfica que Truffaut, mas, ainda assim, entrega um resultado à altura.

Sandro, diferente do rebelde de olhar perdido, não quer quebrar regras — quer reafirmá-las. Sua criação religiosa e machista deteriora, pouco a pouco, o relacionamento com quase todas as mulheres ao seu redor: mãe, namorada, avó. A única figura feminina que ele não afasta, apesar da rigidez comportamental e do temperamento efusivo, é a mãe de Lasha, por quem passa a sentir uma atração erótica enquanto encontra nela um suporte emocional de cunho maternal. De igual modo, Natalia (Ia Sukhitashvili) revela as frustrações que acumulou em sua trajetória e o confronta com as contradições do fundamentalismo.

Em meio às tentativas de se encontrar, Sandro encara seu maior objeto de desconforto: a sexualidade. Ele se constrange por desejar uma mulher no transporte público, por ficar excitado ao beijar a namorada no cinema, por consumir pornografia, por dividir o espaço com outros homens nus no vestiário. Ao impor esse tema como tabu para si mesmo, o protagonista também censura aqueles ao seu redor — principalmente mulheres. A autodisciplina o consome e o transforma em vigilante da vida alheia. Ele está preso em sua própria cela, ao mesmo tempo em que assume o papel de observador dos outros prisioneiros do Panóptico.

Panopticon desenha contornos complexos para Sandro, um adolescente comum que representa tantos outros, sem tornar o público cúmplice dele. Nos envolvemos com sua vulnerabilidade, mas sempre conscientes de suas hipocrisias.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima