Crítica | Paraíso em Chamas

Paraíso em Chamas (Suécia, Dinamarca, Finlândia e Itália, 2023)

Título Original: Paradisets brinner
Direção: Mika Gustafson
Roteiro: Mika Gustafson e Alexander Öhrstrand
Elenco principal: Bianca Delbravo, Dilvin Asaad, Safira Mossberg, Ida Envoll, Mitja Siren e Marta Oldenburg
Duração: 108 minutos (1h48min)
Distribuição: Pandora Filmes

“Toda vez que me encontro com você, eu me machuco”, diz Laura, personagem da estreante Bianca Delbravo, para a vizinha a qual constantemente invade a casa, mas é abraçada com uma receptividade atípica. Expor esta materialização da dor física em voz alta surge como um contraponto ao “silêncio” sentimental que impera sobre as personagens de Paraíso em Chamas, mulheres de todas as idades que vivem e sobrevivem em mundo próprio, que é inconsciente, instintivo e barulhento entre seus gritos, brigas e batidas nas portas (daí o silêncio entre aspas anteriormente).

A diretora Mika Gustafsson olha para o mundo destas meninas e mulheres como um mundo de ausências onde não se explicam as relações, elas apenas existem ali na tela sem justificativas ou desculpas: a mãe ausente das três meninas que protagonizam a narrativa, a filha mais velha que passa a construir essa aproximação com sua vizinha que vive um casamento de fachada, a filha do meio que encontra no marido bêbado de outra vizinha uma amizade que, a princípio motivo de desconfiança para o espectador, se revela essa busca torta por uma figura paterna que, igualmente, nunca se fez presente, o grupo de amigas com as quais elas invadem casas, fazem festas em piscinas que não são suas, roubam de supermercados para sobreviver, possuem seus próprios rituais de iniciação e transformação. No filme, nesse mundo puramente feminino, a inconsequência também se torna motivo de respiros momentâneos, afinal, crianças precisam se divertir.

Ecos muito fortes de Andrea Arnold podem ser sentidos nesse filme de Gustafson, especialmente no que se refere a esse retrato da rebeldia precoce como um caminho inevitável para o amadurecimento. O mundo se apresenta para elas com toda sua ferocidade que é tão comum a existência feminina, onde a busca pelo preenchimento das ausências se confunde com o desejo por algo que elas jamais nomeiam diretamente, mas que assume essa posição de prazer e de escape. O roteiro de Mika, em colaboração com Alexander Öhrstrand (que participa do filme como o marido de fachada), realmente entende suas personagens e nuances.

Enquanto as três protagonistas juvenis defendem com unhas e garras a inconsequência e ferocidade de suas personagens (e não é nenhum exagero afirmar que o que temos aqui são três das melhores performances mirins dos últimos anos), talvez Gustafson falhe quando tenta dar passos além sobre os simbolismos mais diretos da maturidade feminina: a música incidental, ao invés de funcionar como complemento, se mostra muito mais invasiva que qualquer outra coisa, visto que os silêncios e olhares entre as personagens já comunicam o suficiente. Alguns cortes na edição geram elipses causam certo estranhamento quando o filme vai atrás de preencher certas lacunas dramáticas e… sinceramente? Tenho essa impressão de que o filme perdeu uma ótima oportunidade de finalizar na cena certa.

Mas é louvável que, sem dramatizações, a diretora tenha entregado um filme que sabe ser despretensioso e urgente sobre as latências que regem o mundo das mulheres, que se firma entre abandonos e cuidados, mas sempre amorosas e encontrando o afeto em meio à dor.

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