Crítica | Uma Batalha Após a Outra

Uma Batalha Após a Outra (EUA, 2025)

Título Original: One Battle After Another
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson baseado no livro de Thomas Pynchon
Elenco principal: Leonardo DiCaprio, Sean Penn, Benicio del Toro, Regina Hall, Teyana Taylor e Chase Infiniti
Duração: 2h 42 min (162 minutos)
Distribuidora brasileira: Warner Bros.

Sim, o décimo filme de Paul Thomas Anderson mantém a tradição dos anteriores: é um filme maravilhoso. Isso já dito, podemos mergulhar nos pormenores. 

Um projeto de longa data do diretor e roteirista, o filme adapta livremente o livro Vineland, de Thomas Pynchon, que tem em PTA um de seus maiores fãs. Conhecido por escrever livros difíceis, com muitos personagens e subtramas, Pynchon só teve um de seus livros adaptados para o audiovisual antes, pelas mãos do próprio Paul Thomas Anderson: Vício Inerente, de 2014. 

Uma Batalha Após a Outra – que quase recebeu o título A Batalha de Baktan Cross em referência ao clássico A Batalha de Argel (1966), em que “Baktan Cross” é o nome dado à cidade que representa Vineland na adaptação – é um projeto grandioso, ousado e aparentemente complexo, mas que se revela  positivamente consciente do excesso de tramas do livro. O roteiro se livra de muitos personagens e subtramas, adequa outras para a segunda década do século XXI e a complexidade da narrativa fica só nas aparências. Apesar da estética um tanto caótica, não é um filme difícil de acompanhar e sua longa duração não é sentida durante a projeção. 

O elenco está sensacional, com Leonardo DiCaprio, Sean Penn e a iniciante Chase Infiniti encabeçando uma equipe estelar, mesmo que alguns atores apareçam por poucos minutos. Tanto Teyana Taylor, que domina os primeiros minutos do longa, mas depois não é mais vista, quanto Regina Hall nos deixam com gosto de “quero mais”, enquanto Benicio del Toro consegue um tempo um pouco maior de tela e aproveita cada segundo com um imenso carisma. Por outro lado, essa capacidade de se desfazer de atores e personagens incríveis compõe a personalidade caótica do filme. 

Com um ritmo bastante acelerado do início ao fim, o filme não para de jogar informações e cenas intensas – às vezes pelo excesso de ação, às vezes pelo drama que o diretor extrai de situações que não pareceriam tão grandes se filmadas de outra forma – na cara do espectador. A montagem de Andy Jurgensen é excepcional ao garantir que o tempo do filme não caia em nenhum momento, mesmo em sequências mais lentas. Todo o primeiro ato do filme, que se passa em um passado não muito distante, é aceleradíssimo e não permite um segundo de respiro. A trilha sonora elétrica de Jonny Greenwood também ajuda a manter a tensão alta e a prender a atenção do público. Tudo isso somado à direção de Paul Thomas Anderson, ao design de produção sóbrio de Florencia Martin que permite uma imersão na realidade das personagens e à direção de fotografia sensacional de Michael Bauman (que fotografou o filme em 35mm, no extinto formato VistaVision) resultam em uma pequena obra-prima do cinema moderno. O tipo de filme que dá gosto de assistir. 

A história é focada em Bob Ferguson (DiCaprio), um ex-militante revolucionário do grupo French 75, onde cometia atos de violência revolucionária ao lado de Perfídia (Teyana Taylor) e outros militantes perseguidos pelo coronel Steven J. Lockjaw (Sean Penn). Os dois desenvolvem um romance e ela engravida de Willa (Chase Infiniti), mas a dinâmica de família não dá certo e ela acaba abandonando os dois. Pouco tempo depois, ela é pega por Lockjaw e acaba cedendo à pressão de dedurar o resto do grupo em prol da própria sobrevivência. Dezesseis anos se passam e Bob, um dos poucos sobreviventes da perseguição que recaiu sobre os militantes, vive com Willa em uma casinha na pequena cidade de Baktan Cross. 

Bob continua uma pessoa paranóica, acreditando que a qualquer momento alguém virá para buscá-lo pelos seus atos do passado. Willa vive uma vida normal, frequenta a escola, é parte de um grupo de amigos e tem dificuldade de entender seu pai. De repente, o passado bate à porta. Lockjaw finalmente consegue informações sobre os dois e decide ir atrás do seu velho alvo para matá-lo e levar a menina.  

O caos reina na maior parte do filme, que em nenhum momento descansa da perseguição aos militantes, em uma boa representação da sensação de lutar contra o sistema na vida real. É preciso muita força e persistência para não desistir, entregar as cartas e se deixar levar pela normalidade da violência cotidiana imposta pelo capitalismo. As cenas são rápidas, a trilha está sempre martelando nos ouvidos e os personagens estão sempre correndo, seja fugindo, seja indo em direção a mais uma batalha. E assim vamos, uma após a outra, até a vitória. Sempre. 

Mas o que acontece quando alguém que tanto lutou, quase foi pego algumas vezes e conseguiu fugir, envelhece e consegue estabelecer uma vida tranquila sem muita exposição? E quando esse alguém tem uma criança para cuidar e criar? E quando o passado vem bater à porta tantos anos depois? Como fica essa criança, agora adolescente, frente à tudo isso? É nesse furacão que Bob e Willa são jogados involuntariamente e é a partir dele que o filme levanta possíveis respostas para essas questões. 

Willa nunca soube que sua mãe foi a delatora do grupo, pois seu pai apenas diz que ela era uma heroína. Aos poucos, Willa vai entendendo o tamanho do buraco em que foi enfiada e passa a usar todos os seus anos de treinamento em artes marciais com o Sensei Sergio (del Toro) para lutar por si e pelos seus. A questão é que muitos fatos vêm à tona e abalam o que ela entendia como a verdade sobre a vida de sua família. Arrasada pelos acontecimentos e revelações repentinas, a menina se depara com a escolha de abandonar tudo ou dar continuidade à luta dos pais, por um mundo mais justo, livre e igualitário.

Algumas das sequências de ação se tornam momentos clássicos instantâneos do gênero. Há uma longa perseguição de carros no ato final em que nada muito empolgante acontece – são apenas dois carros correndo um atrás do outro em uma longa estrada -, mas a forma como PTA conduz a cena, principalmente com a fotografia, a montagem e a trilha, deixa tudo tão tenso que uma imagem banal se torna uma das passagens mais tensas do filme. 

Além disso, é admirável que o filme consiga se firmar como uma comédia. Há cenas surpreendentemente engraçadas, a personagem de Tayana Taylor brinca no campo do humor absurdo e consegue momentos cômicos ótimos e particularmente DiCaprio e del Toro juntos têm uma dinâmica muito divertida de assistir. As cenas que mostram um grupo de homens brancos ricos e supremacistas são ótimas no equilíbrio entre escracho e crítica. 

O roteiro ainda busca uma abordagem um tanto atual de questões políticas pulsantes em 2025, como raça, classe e imigração. Há cenas muito bonitas de militantes negros ou latinos reafirmando sua luta, com destaque para um discurso de Junglepussy (Shayna McHayle, que emprestou seu nome artítisco à personagem) digno dos filmes de blaxploitation dos anos 70. É bonita também a forma como o roteiro evita cair em um pessimismo anti-revolucionário sem abrir mão de um realismo necessário, apesar de triste. 

Depois que uma boa parte do grupo foi presa ou assassinada pela polícia dos EUA, os sobreviventes envelhecem e alguns se distanciam da luta, enquanto outros seguem na ativa. Uma coisa une a todos: a sensação de que vão partir deste mundo sem conseguir ver a mudança pela qual tanto lutaram. E é aí que o filme poderia se perder e terminar em um tom depressivo sobre a impossibilidade de vencer a máquina – mas PTA não vai nos deixar nesse abismo, não. Porque o filme é justamente sobre manter a chama acesa. Os militantes dos anos 80 e 90 criam e treinam novos militantes, os jovens de hoje em dia, que podem assumir seus lugares se assim quiserem. E, assim, voltamos para o dilema de Willa. Ela dar continuidade à luta de seus pais ou não está apenas em suas mãos. O quanto ainda é possível acreditar na vitória e ter disposição para ir atrás dela? Se depender de Bob, Perfídia, Sensei Sergio e seus aliados na luta, impossível seria desacreditar.

Se Vineland foi considerado um retrato dos EUA dos anos 80, Uma Batalha Após a Outra é bem sucedido em atualizar esse status. O filme é um belo e triste (mas esperançoso) retrato não só da “América”, mas do nosso tempo.

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