Doente de Mim Mesma (Noruega, Suécia, Dinamarca e França, 2022)
Nome Original: Syk Pike
Direção: Kristoffer Borgli
Roteiro: Kristoffer Borgli
Elenco: Kristine Kujath Thorp, Eirik Sæther, Fanny Vaager. Fredrik Stenberg Ditlev-Simonsen, Sarah Francesca Brænne
Duração: 97 minutos
Disponível em: Mubi
Quem nunca imaginou o próprio velório só para saber quem iria comparecer? Ou será que isso é um sintoma narcísico? Até onde podemos nos autodestruir em busca de atenção? Na era da superexposição da vida cotidiana, parece não haver limites. Ao assistir Doente de Mim Mesma pensando que se tratava de uma comédia leve, me deparei com um drama denso que traz crítica social com direito a um humor ácido e terror corporal.

Signe (Kristine Kujath Thorp) e Thomas (Eirik Sæther) vivem um relacionamento tóxico e competitivo que só piora com o sucesso dele como um artista contemporâneo. Depois de um incidente traumático no café em que trabalha como garçonete, Signe percebe que vale tudo para chamar atenção e vencer a disputa invisível por status contra seu companheiro.
No seu primeiro longa-metragem, o diretor noruegues Kristoffer Borgli propõe uma reflexão sobre narcisismo a partir do que parece um caso raro de Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN). O diálogo logo no início do filme em que Signe diz “só narcisistas se dão bem” dá o tom para o que vem a seguir, em um trama que gradualmente vai mostrando sintomas de uma pessoa narcisista.
Entramos na mente de Signe através das situações absurdas que causam surpresa no público até revelarem ser um pensamento intrusivo. Nesses momentos, a trilha é crescente, explode e termina de repente quando ela volta à realidade, nos fazendo entender que se trata de um lapso da personagem.
O silêncio também é perceptível em boa parte das cenas. A fotografia é, na maioria das vezes, limpa, estéril – talvez refletindo esse vazio que Signe sente internamente. No entanto, quando menos esperamos, essa estética asséptica é manchada com sangue, vômito e outros fluidos, revelando a progressiva degradação psicológica e moral que ela enfrenta.
O humor ácido e as situações constrangedoras permeiam o filme, bem como o terror corporal presente tanto no trabalho de maquiagem quanto nos efeitos que exageram para ilustrar as consequências do narcisismo. Esse elemento deixa o filme um tanto impactante e desconfortável para espectadores desavisados.
De certo modo, o filme tem certa semelhança com os contemporâneos A Substância (2024) e com o também norueguês A Pior Pessoa Do Mundo (2021) ao nos apresentar personagens femininas em processos complexos de autoconhecimento e que fogem do papel idealizado da mulher perfeita ao mostrar suas falhas e comportamentos autodestrutivos. Nesse sentido, a atuação de Kristine Kujath Thorp em Doente de Mim Mesma é sutil mas poderosa ao nos fazer sentir primeiro uma certa antipatia e depois uma empatia por compreender o estado emocional que ela se encontra.
Apesar de aparentemente representar um caso específico de TPN, o filme acaba expandindo o debate e fazendo um diagnóstico também sobre a cultura do espetáculo, em que as mídias sociais impulsionam a exposição da privacidade e a monetização da vida pessoal como forma de afirmação e autoestima. Na modernidade líquida, a vida é uma grande performance superficial em que a máxima “falem bem ou falem mal, mas falem de mim” prevalece. Além disso, há uma leve sátira sobre o discurso de inclusão na moda e na mídia.
Outro debate possível são as relações amorosas, como a de Signe e Thomas, que se constroem não por afeto genuíno, mas por conveniência e aparência. Nas relações narcisistas, os diálogos vêm carregados de alfinetadas que buscam diminuir o interlocutor e, assim, engrandecer o emissor. Neste filme (e na vida), a linguagem é uma chave para entender que tipo de sentimento uma pessoa nutre por outra.
Doente de Mim Mesma é uma obra provocante por ser engraçada e densa ao mesmo tempo, estimulando uma reflexão sobre personalidades e relações narcísicas, sociedade do espetáculo e representação de personagens femininas complexas que desafiam os papéis tradicionais.




