Nouvelle Vague (França e Estados Unidos, 2025)
Título Original: Nouvelle Vague
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Holly Gent, Laetitia Masson, Vincent Palmo Jr., Michèle Pétin
Elenco principal: Guillaume Marbeck, Zoey Deutch, Aubry Dullin
Duração: aproximadamente 105 minutos
Richard Linklater recria o nascimento da Nouvelle Vague no filme mais cinéfilo de sua carreira.
O que nós, cinéfilos, não daríamos para presenciar o momento em que Jean-Luc Godard, François Truffaut, Agnès Varda, Claude Chabrol, Jacques Rivette e tantos outros deram partida na Nouvelle Vague e revolucionaram o cinema? É isso que Richard Linklater apresenta em seu novo longa, de título homônimo ao movimento cinematográfico.

A trama acompanha os bastidores de Acossado, primeiro longa-metragem de Godard (Guillaume Marbeck), e o processo criativo do diretor ao rodar a película, na década de 1960, sem um roteiro em mãos, pelas ruas de Paris durante quatro semanas. Enquanto repensa cada etapa da produção, ele precisa lidar com a pressão do estúdio e dos atores, receosos de que tudo não passe de um delírio de um crítico de cinema se arriscando como cineasta em um filme que descreem que será terminado — e se for, provavelmente será odiado pelo público.
Nada é mais cinéfilo do que assistir a um filme sobre cinema — compreender como a sétima arte funciona, descobrir a história por trás das filmagens de grandes clássicos ou conhecer as figuras magnéticas das telonas por trás das câmeras. Era Uma Vez em… Hollywood, Mank, Babilônia e Blonde são alguns dos títulos recentes que voltam seus holofotes para a própria Hollywood, transformando-a na estrela principal de sua calçada da fama.
São raríssimas, no entanto, as vezes em que a vanguarda francesa se tornou alvo de representações metalinguísticas no cinema. Nouvelle Vague surge como um contraponto direto ao autofagismo hollywoodiano, questionando o modo hegemônico e comercial de fazer cinema nos grandes estúdios da época e nos de hoje.
Com Acossado, Godard reinventou técnicas a partir de ideias — da continuidade à maquiagem, da edição à atuação —, deixando todos os que trabalhavam com ele de cabelo em pé. Inconformado com a ideia de encomendar um roteiro genérico e vendê-lo a executivos com promessas de bilheteria, ele se reunia com a equipe todas as manhãs em um café para rascunhar os diálogos do que seria filmado naquele dia.
Esse experimentalismo e sofisticação de Godard — muitas vezes criticado por seu temperamento difícil, que beirava a pedância — contrastam com o estilo leve e bem-humorado com que Linklater o retrata. Com uma filmografia que transita entre o realismo filosófico da trilogia Antes e a comédia juvenil de Jovens, Loucos e Rebeldes, o diretor americano mescla ambos os lados em Nouvelle Vague. Ele alcança profundidade em cenas reflexivas ao mesmo tempo em que diverte com a atmosfera caótica dos bastidores.
Uma sequência que exemplifica isso (e também uma das melhores do filme) é aquela em que Godard e Beau Beau perdem a linha e se envolvem em uma briga física. A cena materializa, de modo hilário e infantil, a tensão entre os interesses financeiros do estúdio e a busca por liberdade artística do cinema de autor.
O que mais tarde inspiraria gerações de realizadores era, naquele momento, a dor de cabeça de Jean Seberg (Zoey Deutch) e Jean-Paul Belmondo (Aubrey Dullin) — dupla que quase desistiu das filmagens, mas acabou se tornando um dos casais mais icônicos do cinema. Diferentemente de Seberg e Belmondo, que passaram boa parte das gravações de Acossado sem entender claramente quem eram seus personagens ou o rumo que tomariam, Deutch e Dullin desaparecem em suas performances. Eles reproduzem com naturalidade a aparência e os trejeitos dos astros originais, ao mesmo tempo em que captam a espontaneidade dos diálogos improvisados e a energia criativa que definiram a Nouvelle Vague.
Nouvelle Vague é, acima de tudo, uma carta de amor ao cinema e à inquietação de quem o faz. Linklater não apenas homenageia os mestres franceses, mas também reflete sobre o próprio ato de criar e de romper padrões em um filme tão distante de Hollywood quanto o atual momento de sua carreira.
Filme assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo




