A Garota Canhota (Taiwan, 2025)
Título Original: Zuopiezi nuhai
Direção: Shih-Ching Tsou
Roteiro: Sean Baker, Shih-Ching Tsou
Elenco principal: Janel Tsai, Nina Ye, Ma Shih-yuan, Hsia Teng-Hung, Blaire Chang e Huang Teng-Hui
Duração: 1h 48min
Os primeiros minutos de A Garota Canhota são encantadores. Sem saber como a narrativa se desdobrará, somos apresentados a um universo pouco conhecido pelo público brasileiro: Taiwan. Uma região cuja existência não é reconhecida pela ONU, mas que possui soberania nacional bastante tutelada pela China, que já no primeiro momento se apresenta com simpáticas motocicletas, trânsito caótico e uma mistura de cores que transpassa a sua riqueza cultural pelas telas.

A obra já possui inicialmente três grandes chamarizes. O primeiro é a sua produção e roteiro assinados por Sean Baker, diretor do premiado Anora, em parceria com a diretora e corroteirista Shih-Ching Tsou. O segundo é o fato de ser a submissão oficial do território para o Oscar deste ano. E por fim, temos a distribuição da gigante Netflix, que permite o acesso a milhões de usuários imediatamente através da sua plataforma. Mas ao começarmos a acompanhar a vida de uma mãe solo com suas duas filhas com diferença gigante de idade, facilmente somos levados pelos seus dramas cotidianos e tentativa de sobrevivência em um sistema capitalista e nos esquecemos de todo esse invólucro publicitário.
Ainda que existam muitos elementos culturais específicos, como a filha mais velha que trabalha em um local de venda de noz de areca, algo inexistente no Brasil, é a dramaturgia básica dos relacionamentos entre essas três mulheres e como elas enxergam e são enxergadas pelo seu entorno que criam a conexão rápida com o público. Essa filha mais velha, I-Ann (Ma Shih-yuan), teve que largar os estudos e encontrar um emprego não muito respeitado para ajudar a mãe a sustentar a casa, e frequentemente troca farpas com ela. A mãe, Shu-fen (Janel Tsai), trabalha todas as noites em uma barraca de comida em uma feira noturna e indica estar fazendo o seu melhor para criar a família, enquanto ainda tem que lidar com os traumas e dívidas deixados pelo marido. E a menina mais nova, a garota canhota citada no título do longa, I-Jing (Nina Ye), é apenas uma criança tentando sobreviver e ter uma infância no meio disso tudo.
É essa a dinâmica muitas vezes caótica que traz substância ao filme e o aproxima das plateias, independente de onde elas estejam. E para o seu funcionamento, obviamente um dos fatores de sucesso é a atuação das três atrizes envolvidas. Se Ma Shih-yuan e Janel Tsai já conseguem trazer a humanidade para as personagens através de suas contradições, o destaque para Nina Ye é completamente merecido. Mesmo com um papel bastante complicado e que exige uma gama de emoções ampla, a atriz consegue estar à altura do roteiro e entrega, além dessas emoções, a inocência que só poderia ser permitida a uma criança. Este é um daqueles casos nos quais a escalação é um ponto essencial da obra.
E, por mais que seja claro que o estilo já conhecido de Sean Baker de utilização de locações, atuações minimalistas e roteiro que parece acompanhar o cotidiano da família, a direção de Shih-Ching Tsou é essencial justamente por conseguir focar nesse universo feminino de forma horizontal, sem criar julgamentos morais em cima de suas personagens. Entre as cores fortes e todo o neon apresentado nas ruas de Taipei, temos também em tela micro e macro agressões machistas, dinâmicas familiares complexas, a dificuldade que é o amadurecimento precoce por ser uma mulher – algo que dificilmente um diretor homem conseguiria retratar de forma tão clara.
Por mais que trate de temas pesado e tenha um final um tanto novelístico, o filme ainda consegue se apresentar ao público de forma leve, e isso é algo louvável quando se faz uma obra com tamanhas especificidades da cultura local. Logo, essa narrativa de amadurecimento merece o seu destaque entre os longas da mostra deste ano.



