Aftersun (Charlotte Wells, 2022)

Quando as luzes da sala de cinema se acendem e tudo o que se ouve são suspiros e finais de choro, este é normalmente um sinal de que a direção do filme fez seu trabalho corretamente, seja através de uma manipulação simples de sentimentos, ou porque ela foi capaz de dialogar com uma sensação muito pura dos humanos que assistem. Com apenas 35 anos e experiências de direção anteriores apenas em curtas-metragens, a diretora e roteirista Charlotte Wells consegue, através de um equilíbrio entre nostalgia e auto reflexão, atingir uma vulnerabilidade que dialoga com o público de maneira única.

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O roteiro acerta no tom utilizado para demonstrar a relação entre pai e filha por mostrar a humanidade presente em ambos. Do olhar curioso e às vezes excessivamente inocente de Sophie (Frankie Corio) às boas intenções e inseguranças de Calum (Paul Mescal), a história do pai solteiro que leva a filha à Turquia para passar as férias consegue encontrar harmonia entre a doçura da relação familiar com o amargor de começar a compreender que seu parente é, além de um parente, um ser humano. Ainda que se compreenda que aquela é uma memória idealizada de Sophie sobre aquele momento, não mostrar inexistência de conflitos, e sim duas pessoas que estão aprendendo a conviver, gera no espectador ou uma sensação de identificação com a relação paterna, ou a tristeza pela ausência dela.

A interpretação de Mescal e Corio ajudam na criação de uma trama ao mesmo tempo leve e poderosa. Com maior foco em expressões sutis e em demonstrar o afeto a partir de pequenos gestos, percebe-se a micro atuação a partir das trocas de olhares. Em relação ao papel de Calum, há a mistura entre demonstrar segurança para a filha e a fragilidade quando sozinho que o ator consegue performar perfeitamente. Já em relação à Sophie, além do controle necessário em atuações infantis, busca-se um meio termo entre a curiosidade e a contestação muito comum a essa idade e que a atriz também consegue transmitir.

A delicadeza encontrada nesses aspectos também é transmitida pela fotografia do longa-metragem. Em diversas cenas, ao invés de focar em grandes cenários, utiliza-se o plano detalhe quase estático que relembram ao espectador que aquilo é uma memória, e que como tal depende da edição de quem está relembrando. Isso é somado às gravações em vídeo que aparecem no filme criando um ar intimista e nostálgico, mas que funciona melhor para os espectadores acima da faixa dos 25 anos. A baixa qualidade da imagem também tem uma relação muito particular para quem a vê, se relacionando com momentos de sua própria memória.

O uso de presente e passado também é realizado de maneira eficiente, fazendo com que aos poucos o espectador vá percebendo como o que está sendo assistido é manipulado pela mente de Sophie mais velha, relembrando seu pai. A mesma engenhosidade é refletida no roteiro, que ao invés de utilizar a simples exposição, que seria estranha dada a relação próxima entre os dois, foca em encontrar subterfúgios para transmitir suas mensagens. Na cena em que Sophie os inscreve para cantar no hotel, e o pai se recusa, utiliza-se o momento de raiva da garota para transmitir a informação da condição financeira desfavorável de Calum. Com uma breve resposta enraivecida, reflete-se sobre o esforço do pai em proporcionar aquelas férias, em suas expectativas em relação ao momento, sobre a frustração da criança em ser contrariada e na rispidez ao ser contrariada. O resultado é uma complexidade de sentimentos e emoções que não deve ser racionalizada, mas sim sentida. É um excelente filme de estreia para a diretora, que demonstra uma condução sensível e honesta com o espectador, e que consequentemente está sendo reconhecido na temporada de premiações deste ano.

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