Apesar de estar dirigindo filmes desde 1999, o diretor italiano Luca Guadagnino ganhou maior notoriedade a partir de Me Chame Pelo Seu Nome, filme de 2017 que conta a história de amor entre dois homens com grande diferença de idade na Itália dos anos 1980. Retratando a paixão de maneiras pouco usuais, mas muito sensuais, e equilibrando isso com um roteiro dinâmico e sensível e com diálogos inesquecíveis, ele alcançou sucesso nas mais diversas premiações internacionais e alcançou a possibilidade de novos caminhos artísticos.

Seu novo filme, Até os Ossos, tem sua produção como consequência direta desse sucesso, sendo o primeiro longa-metragem do diretor a ser gravado em território estadunidense. As temáticas da paixão e da juventude voltam a aparecer, mas dessa vez a partir de um enfoque ainda mais específico: Maren (Taylor Russel) é uma jovem com instintos canibais que aos 18 anos é abandonada pelo pai e parte em uma jornada em busca de sua mãe, para consequentemente compreender melhor a origem dos seus impulsos. No caminho, ela conhece pessoas na mesma condição, como Sully (Mark Rylance) e Lee (Timothée Chalamet), iniciando uma relação intensa com o segundo.
Quando pensado sem a questão do canibalismo, a obra poderia se tornar bastante simples, com uma jornada da personagem em cenários do interior dos Estados Unidos em busca de compreender suas raízes. O que o roteiro faz, através da metáfora do canibalismo, é elevar essa sensação da falta de pertencimento adolescente a algo traduzível ao público que ou não passou por isso ou simplesmente se esqueceu. Com algo que parece absurdo e intangível, é possível acessar essa camada de sentimentos que, para certa parcela dos espectadores, seria inacessível de outra maneira.
A metáfora também funciona em outros aspectos do longa, principalmente quando Maren começa a criar relações com os outros personagens. Na primeira cena de canibalismo da garota, percebe-se que ela começa a devorar a nova colega simplesmente por afeto, ao perceber alguém que está realmente interessada em sua história. Ele é também um vínculo com sua mãe que a abandonou na infância e se tornou uma desconhecida. E, quando ela parte para suas novas descobertas, sozinha, se torna um modo de se conectar com as pessoas que conhece na viagem, como Lee e a conexão imediata que eles sentem por terem passado por experiências similares.
Isso abre um grande leque de opções para as interpretações. Chalamet e Russel ficam em um espectro similar de revolta e tentativa de compreensão do que está acontecendo com eles, tentando aprender juntos através da tentativa e erro. Já para Michael Stuhlbarg em seu papel de Jake, há uma aceitação completa do que ele é, chegando a um nível até perturbador. Mas em termos de interpretação, se destaca Mark Rylance em seu papel de Sully, um homem mais velho já acostumado e adaptado à sua condição e que deseja ajudar Maren a se compreender. O modo que o ator transmite a estranheza da falta de aceitação de sua condição através da fala pausada e do rosto sempre forçado a reagir de determinadas maneiras é assustador, lembrando tanto à personagem quanto aos espectadores o quanto a falta de amadurecimento causa consequências até a velhice.
Em questões técnicas se destaca a fotografia, que consegue trazer a atmosfera de descoberta através da escolha de mostrar tanto as belas paisagens encontradas quanto todos os lugares abandonados e esquecidos que eles acabam utilizando para se alimentar. Joga-se com a imagem do sonho americano de uma maneira inesperada, mas extremamente funcional.
A obra pouco teria de excepcional se não fosse o olhar do diretor que capta e transmite tão bem a noção de juventude e do amor intenso que vem com ela. Apesar das cenas que podem enojar os mais sensíveis, ele consegue equilibrar perfeitamente a estranheza, a intensidade da paixão e a necessidade dos jovens de tentarem encontrar o seu lugar no mundo.