Crítica | 14º Olhar de Cinema | A Voz de Deus

A Voz de Deus (Brasil, 2025)

Título Original: A Voz de Deus
Direção: Miguel Antunes Ramos
Roteiro: Alice Riff e Miguel Antunes Ramos
Elenco principal: Daniel Pentecoste, Rafael Veríssimo, João Vitor Ota
Duração: 108 minutos

No atual contexto brasileiro, quando pensamos em jovens pregadores, no geral a imagem que vem à mente está ligada a crianças e adolescentes de terno ganhando muito dinheiro, aproveitando todo o advento das redes sociais para viver uma vida ideal de influencer através das palavras das igrejas pentecostais. E apesar de começar com diversos vídeos de Daniel Pentecoste pregando, rapidamente o filme A Voz de Deus se afasta deste estereótipo.

O filme começa apresentando esse menino que foi um pastor mirim e que, no início da obra, em 2018, estava na adolescência lidando com seu próprio amadurecimento e as frustrações de seu pai pela carreira que não deslanchou. Entre pregações nas pequenas igrejas do bairro, um namoro com uma jovem, aulas e um trabalho em um mercado de bairro, também começamos a pensar que o filme será sobre esse contraste de realidades, ainda mais quando somos surpreendidos por uma pequena fricção entre o garoto e o pai por conta de Jair Bolsonaro, que estava para se eleger presidente naquele ano – o pai o adorava, e o menino parecia não suportá-lo. Então, somos introduzidos a mais um elemento, o jovem pastor João Vitor Ota, e acompanhamos um pouco de sua vida ocupando o espaço que outrora fora de Daniel.

Só que com o passar do filme, se torna bastante difícil entender qual é a sua linha condutora. Além da relação fraca estabelecida entre os dois personagens, que talvez sejam encarados como uma comparação sobre como essa pregação mudou com o advento das redes sociais, ainda é difícil entender qual é o ponto que a obra tenta abordar. Há, claramente, duas pessoas que se tornam personagens fascinantes: o primeiro, o garoto que deixa de pregar para viver uma vida longe dos púlpitos, mas construindo sua própria trilha e família; o outro, super jovem, mas também muito empenhado em suas pregações, e que apesar de regalias como a placa de inscritos do Youtube, parece viver uma vida igualmente complicada em relação à criação de uma carreira. Mas a escolha entre a interposição entre as duas histórias é um tanto fraca, não sendo claro qual o objetivo do diretor ao escolher esse caminho.

Muitos assuntos também se misturam na medida em que o filme acompanha seus personagens em diversos momentos do tempo. Com 7 anos de duração do projeto, possivelmente houve uma captação enorme de material, mas ao invés de isso ser utilizado a favor da obra para criar essa narrativa clara e detalhada, ele acaba fazendo apenas com que o espectador se perca com ordens cronológicas, questões espaciais e até qual a posição do filme em relação ao que ele quer mostrar. Se por um lado, considerando que ele humaniza figuras que podem parecer muito distantes para a parte da população que pouco entende sobre a religião, ele também reforça alguns estereótipos como ao mostrar as crianças vestidas de soldados em meio a uma pregação. Claro, ele complexifica, dá nome e sobrenome, mostra os medos e aflições, e isso já é interessante por si próprio – mas acaba havendo a falta deste fio condutor que determina, inclusive, qual é o momento de fim da obra. Felizmente, por estar presente no debate com público e imprensa, Daniel explicou que segue casado, se tornou músico trabalhando com musicalização infantil, e vive em paz sem pregar, mas ainda sendo religioso. Sobre João Vitor, ficamos no escuro, sabendo apenas o que as suas redes sociais mostram, com ele se autointitulando “Príncipe do Limpa Nome”.

Então, mesmo que o filme tenha ótimas intenções e consiga alcançar algumas delas, ele ainda parece um pouco perdido quanto ao seu próprio rumo, e os espectadores ficam na expectativa do desenrolar da vida de seus personagens para compreender como essas histórias seguem.

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