Quando o Telefone Tocou (Sérvia e EUA, 2024)
Título Original: Kada Je Zazvonio Telefon
Direção: Iva Radivojević
Roteiro: Iva Radivojević
Elenco principal: Natalija Ilinčić, Srna Vasić e Danica Maksimović
Duração: 73 minutos
Ter a possibilidade de olhar para o seu próprio passado e fazer as pazes com parte dele, não importando o quão complexo ou violento ele foi, parece ser uma das maravilhas que apenas a arte é capaz de proporcionar. E este parece ser exatamente o caso de Quando o Telefone Tocou, uma espécie de autoficção anacrônica realizada para reviver momentos de um passado que não existe mais, gerando uma conciliação pessoal para a diretora.

O filme se estrutura a partir de dois telefonemas recebidos por Lana (Natalija Ilinčić) e que mudam a sua vida. No primeiro, a garota de onze anos descobre que seu avô faleceu por conta de um ataque cardíaco. No segundo, que o país em que vive começou a se desmanchar por conta da separação dos países que formavam a Iugoslávia. Então, sua família inicia uma jornada para encontrar um novo lar ao mesmo tempo em que a garota passa por um profundo amadurecimento tanto por conta da entrada na adolescência quanto por causa desses novos traumas.
O tom nostálgico da obra se forma tanto a partir das escolhas da direção de arte quanto das de fotografia. A escolha da locação, por exemplo, é essencial para que compremos o cenário do fim da União Soviética que é proposto, justamente pelos prédios característicos do período. O mesmo acontece com relação a todas as escolhas de figurino e objetos, com uma atenção imensa aos detalhes para que o público nunca se lembre que se trata de uma reconstrução dessa memória que já não existe. Na questão da fotografia, há um olhar nostálgico perfeitamente sustentado pelo uso de película 16mm para captar as imagens, criando um ruído sutil nas imagens e trabalhando a iluminação natural justamente como nos recordamos dos anos 1990 das fotografias da época.
Com isso, a diretora consegue mergulhar nesse universo de suas próprias memórias e recriar e ressignificar um momento em que possivelmente tinha pouca consciência da gravidade dos acontecimentos ao seu redor. Com a repetição da importância dessas ligações e de todos os deslocamentos geográficos que acontecem em seguida, cria-se a sensação dessa terapia através da ficção. É permitida uma volta no tempo e espaço para um lugar absolutamente impossível, e apenas através desse cenário de ficção que se pode fazer as pazes com a realidade. Então, mesmo com essa distância imensa com um público brasileiro que, em sua parte, não tem nenhuma conexão com esse momento histórico específico, consegue-se alcançar a conexão através das sensações, que são mais universais.
Mesmo sendo um filme mais desafiador principalmente por conta das diferenças culturais que impedem a compreensão total do contexto, percebe-se que através de uma obra pessoal, a diretora consegue atingir os mais diversos públicos.