Crítica | 14º Olhar de Cinema | Tardes de Solidão

Tardes de Solidão (Espanha, França e Portugal, 2024)

Título Original: Tardes de Soledad
Direção: Albert Serra
Roteiro: Albert Serra
Elenco principal: Roberto Domínguez, Francisco Manuel Durán, Antonio Gutiérrez, Francisco Gómez, Manuel Lara e Andrés Roca Rey
Duração: 125 minutos

Aceitar assistir um filme que retrata touradas espanholas é um processo difícil por si só. É conhecimento popular que os touros presentes no evento têm uma morte lenta e violenta. Ainda assim, ao propor um olhar neutro acompanhando Roberto Domínguez, talvez o grande toureiro do século XXI, o filme consegue mostrar detalhadamente a tradição que ainda é defendida por uma parte conservadora da sociedade.

Infelizmente, existe algo um pouco fascinante em observar um homem lutando contra um touro. Fazendo a racionalização de que esse touro já foi cansado por diversas outras pessoas e que não tem nenhuma possibilidade de vencer, o rito é cruel – e o filme faz questão de mostrar o quanto o animal segue lutando mesmo nas condições mais precárias. Mas ver o funcionamento dessa dança bizarra é hipnotizante, mesmo que, como eu, você esteja torcendo pelo touro.

Algo impressionante da obra é o modo em que ele consegue retratar a masculinidade sem precisar de recursos externos aos acontecimentos da própria vida do toureiro. Entre os comentários sobre suas gigantescas bolas ou o seu abdômen de aço ditos pelos seus colegas de profissão, fica claro que há uma supervalorização dessa masculinidade viril. Algo que, comparando o homem ao touro, os colocaria em uma mesma régua.

Enquanto dos touros só é mostrado o sofrimento, que é afinal tudo o que saberíamos deles, do homem existe uma possibilidade de criar um retrato um pouco mais amplo. Ainda que não se explique muito sobre quem ele é, ou sua importância dentro do mundo de touradas, entendemos alguns elementos de sua personalidade através de seus próprios atos. A religiosidade, por exemplo, está sempre presente através de seus terços, orações e gestos. A vaidade está no seu olhar constante nos espelhos e em todo o processo de se vestir, que se torna até homoerótico quando observado através da lente voyeurística cinematográfica. E, por fim, também temos um elemento de insegurança, mostrado quando ele alimenta todos os colegas a seguirem alimentando seu ego.

Assim, o encontro entre homem e fera vai se mostrando cada vez mais desigual. O homem tem recursos, tem crenças, tem ego. O animal, infelizmente, pode apenas tentar sobreviver em uma luta injusta. E por mais que o filme seja cruel, violento e assustador, ele retrata apenas uma realidade que está ali, possível de ser acessada em praças públicas de todo um país. Sem a necessidade de mostrar um movimento contra touradas ou dar um histórico de como esse processo sobreviveu ao longo dos séculos, ele consegue convencer com as chocantes imagens muito mais do que seria possível em qualquer protesto.

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