O Agente Secreto (Brasil, França, Alemanha, Países Baixos, 2025)
Título Original: O Agente Secreto
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco principal: Wagner Moura, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Alice Carvalho, Udo Kier e Thomás Aquino
Duração: 2 h 38 min (158 minutos)
Distribuição: Vitrine Filmes
Em O Agente Secreto, Kleber Mendonça Filho usa o resgate da memória como forma de o Brasil se reconciliar com seu passado
Não sei se foi uma impressão só minha, mas eu tinha a sensação de já ter assistido O Agente Secreto antes mesmo de vê-lo. Isso porque já estamos há quase um ano falando sobre o longa — desde a época em que ainda estava em pós-produção, passando por sua estreia em Cannes, onde Kleber Mendonça Filho venceu o prêmio de Melhor Direção e Wagner Moura o de Melhor Ator, até as exibições em festivais nacionais, sempre acompanhadas de elogios.

Agora, em sua última parada na Mostra de Cinema de São Paulo antes da estreia oficial nos cinemas, finalmente assisti ao filme brasileiro mais aguardado do ano, e posso fazer coro: é um filmaço.
Estamos no Brasil de 1977. Marcelo (Wagner Moura), especialista em tecnologia, foge de São Paulo para Recife tentando evitar um destino premeditado. Na semana do carnaval, ele busca manter a discrição enquanto protege o filho pequeno do risco que corre e tenta reunir arquivos que possam esclarecer a morte da esposa.
O Agente Secreto me remete a dois grandes filmes. Um deles ainda está fresco na memória do país e do mundo: Ainda Estou Aqui, de Walter Salles. Ambos compartilham o mesmo motor do resgate da memória. Situados na Ditadura Militar, exploram o clima de vigilância e paranoia que ronda seus protagonistas. O segundo ato, intitulado “Institutos de Identificação”, reforça essa ideia ao abordar a importância de documentar a história de um país para impedir que regimes autoritários sequestrem os fatos conforme suas narrativas, apagando quem resistiu a elas.
Os dois longas também se aproximam pelas atuações potentes e pela visibilidade internacional que trazem ao cinema brasileiro. Wagner Moura entrega uma performance notável. Não por rompantes dramáticos, mas pela sutileza e charme sorrateiro que empresta a Marcelo. Seu semblante oscila entre a serenidade de quem tenta manter a paz e a consciência de quem sabe o perigo que o cerca. A primeira cena, quando é abordado por um policial, e a última, quando percebe estar a poucos metros dos que cruzaram o país para matá-lo, exemplificam bem essa tensão. Esses, para mim, são os momentos de ápice das duas horas e quarenta minutos que passam voando — além, é claro, de todas as cenas da carismática Dona Sebastiana, interpretada por Tânia Maria, verdadeira revelação do elenco.
É simbólico e importante que O Agente Secreto esteja cotado ao Oscar. Trata-se de uma obra que ama o Brasil em todas as suas cores, mas que também reconhece suas fases sombrias. Mendonça Filho utiliza o cinema como ferramenta de reconciliação, retratando um tempo em que cadáveres ensanguentados cobriam as calçadas e a alma do povo insistia em cantar, dançar e viver apesar disso. Um recorte sincero e magistralmente angulado pela direção do cineasta pernambucano.
Durante a sessão, também me senti de volta a Bacurau. A lenda urbana da Perna Cabeluda — inspirada em publicações do Diário de Pernambuco no fim dos anos 1970 — introduz um humor absurdo que representa a violência da censura política que aterrorizava os moradores locais. Elementos como esse, somados ao gato de duas faces e ao tubarão encontrado com a perna cabeluda dentro do estômago, compõem o imaginário folclórico que KMF usa como espelho dos tempos de medo e repressão. Assim como dosou a acidez na medida certa em Bacurau, ele volta a dosar aqui.
Se há algo que divide opiniões é o desfecho, cuja verborragia explica de forma direta o destino de Marcelo e destoa um pouco do tom estético do restante. Ainda assim, o salto temporal que encerra o filme ressignifica tudo o que veio antes: agora é o filho quem narra, tentando compreender a história que não viveu. Assim como quando garoto temia o tubarão de Spielberg sem nunca ter visto o filme, ele enfrenta o medo daquilo que não conhece.
Quando enfim assiste a Tubarão, deixa de ser perturbado pelo personagem-título durante o sono. Da mesma forma, O Agente Secreto sugere que conhecer a história do pai e do país é o que nos ajuda a enfrentar os monstros da Ditadura. Só ao encarar de frente os fantasmas do passado deixamos de ter pesadelos com eles — e ficamos mais conscientes e atentos para impedir que voltem a emergir.



