Crítica | 49ª Mostra de São Paulo | Sorry, Baby

Sorry, Baby (Estados Unidos, Espanha, França, 2025)

Título Original: Sorry, Baby
Direção: Eva Victor
Roteiro: Eva Victor
Elenco principal: Eva Victor, Naomi Ackie, Louis Cancelmi, Lucas Hedges e John Carroll Lynch
Duração: 104 minutos

Aviso: Este filme trata de assuntos sensíveis de violência contra a mulher. Recomendamos cuidado ao assistí-lo.

Dizer que o cinema é uma arte em pleno século XXI é tão óbvio quanto dizer que a chuva é molhada – se bem que, em tempos de terra planistas, mesmo constatar o óbvio pode ser necessário. Mas estamos tão acostumados com os seus aspectos mais voltados ao entretenimento que é comum nos esquecermos de sua importância como causador de reflexões profundas quando acontece uma ressonância com algo pessoal. Assistir ao filme Sorry, Baby, da diretora estreante Eva Victor, foi esse tipo de experiência pessoal e emocionante para mim.

A protagonista, Agnes, interpretada pela própria diretora e também roteirista Eva Victor, nos é apresentada recebendo em casa sua melhor amiga Lydie (Naomi Ackie), que vem de uma cidade distante. É através das conversas entre elas e de seu relacionamento que vamos entendendo detalhes importantes sobre a sua vida e sobre o lugar onde ela se encontra no momento. Uma excelente aluna que passou por um evento traumático durante a pós-graduação e que foi uma das poucas a permanecer na cidade da faculdade após o término do curso, uma pessoa que está em um momento estagnado da vida e que causa preocupação na sua melhor amiga por uma possível depressão persistente. 

Essa maneira elegante de dar as informações para o público é sempre mantida, evitando os diálogos expositivos e se mantendo fiel à máxima audiovisual do mostre, não conte. Temos então a separação da história em capítulos que não seguem uma ordem cronológica, mas que funcionam para contar a história de uma maneira mais tocante. Temos todo um período de flashbacks que explicam melhor os acontecimentos do passado, voltamos a sentir as suas consequências no presente e, por fim, seguimos um pouco mais no processo de amadurecimento dessa mulher.

Por mais que se evite ao máximo dar spoilers sobre um filme durante a sua crítica, seria impossível escrever sobre essa obra sem explorar um pouco mais a fundo sua narrativa, sendo ainda a sua reviravolta um ponto essencial para a discussão. O que o segundo capítulo do filme revela é exatamente o que aconteceu no passado de Agnes: após alguns momentos de trocas significativas com seu mentor, o Professor Preston Decker (Louis Cancelmi), ele a assedia sexualmente. E é nessa cena que se percebe a delicadeza do filme: ao invés de uma cena violenta e que pode ajudar na fetichização da dor dessa mulher, vemos apenas o tempo passando através do sol na fachada da casa do professor. É apenas quando a mulher sai transtornada daquela casa que compreende-se que algo não está certo.

A amizade profunda demonstrada naquela primeira parte mostra novamente a importância dos laços femininos profundos, indo desde o acolhimento e espaço de escuta muitas vezes negado às vítimas de abuso até a proteção contra as micro agressões tão comuns nos momentos seguintes. Neste momento, novamente o roteiro de Eva Victor brilha, ousando mostrar cenas muitas vezes ocultadas que vão da violência médica em exames de corpo delito até a verborragia de Agnes ao descrever os acontecimentos para a amiga, como em uma tentativa de expurgar os acontecimentos através da linguagem precisa e da vulnerabilidade.

Só que por mais que o filme tenha essa relação profunda com um evento traumático, a sua beleza está em não limitar a sua personagem principal a uma vítima do acontecido, assim como ela mesma faz com sua vida. É claro que, como público, percebemos causas e consequências nos fatos de sua vida, mas existe uma personalidade tranquila e jocosa que está sempre presente e não nos permite esquecer que, independente dos acontecimentos, aquele é todo um universo que é contido dentro da vida de cada pessoa.

Indo na contrapartida de muitas obras sobre violência sexual, Victor escancara tudo: o feio, o esquecível, o novo, o renascido. E nisso, cria algumas cenas maravilhosas, como a do estranho que ajuda a personagem enquanto ela está tendo uma crise ansiosa, em uma das melhores representações da ansiedade acionada por trauma já vista em telas. Também indo na contramão de uma série de produções nas quais todos os personagens masculinos se apresentam como consequência direta da sociedade patriarcal, aqui também há espaço para homens serem igualmente apenas humanos, alguns horrendos abusadores, e outros apenas mal humorados donos de lanchonetes. E é nesse equilíbrio que ele se mantém, inclusive deixando uma mensagem esperançosa em seu final.

Por mais que a obra não tenha tido uma grande divulgação no Brasil, definitivamente foi um dos filmes que falou diretamente com muitos dos dilemas da atualidade de maneira bastante equilibrada. E, para os que possam estar ansiosos com a foto de divulgação, fiquem tranquilos: não acontece nada com o gatinho deste filme.

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