Crítica | 49ª Mostra de São Paulo | The President’s Cake

O Bolo do Presidente (Iraque, Estados Unidos, Catar, 2025)

Título Original: Mamlaket al-qasab
Direção: Hasan Hadi
Roteiro: Hasan Hadi
Elenco principal: Baneen Ahmad Nayyef, Waheed Thabet Khreibat, eSajad Mohamad Qasem
Duração: 1h 45min

Em seu longa de estreia, Hasan Hadi relembra o regime autoritário de Saddam Hussein no Iraque sob o olhar de uma criança

Na década de 1990, durante a Guerra do Golfo, o presidente Saddam Hussein (1937-2006) impunha a celebração de seu aniversário como um dever nacional — uma das muitas formas de culto à própria figura que o regime autoritário exercia. Os iraquianos, assolados pela pobreza e pela fome, estavam sujeitos a punições severas caso não participassem das festividades. Foi nesse cenário que o diretor e roteirista Hasan Hadi cresceu e, a partir dessas memórias, concebeu The President’s Cake.

O longa acompanha Lamia (Banin Ahmed Nayef), uma menina de nove anos sorteada pelo professor da escola para preparar um bolo de aniversário para o presidente. Sem recursos e temendo sofrer retaliações caso falhe, ela embarca em uma jornada pelo centro da cidade ao lado da avó (Waheed Thabet Khreibat), do melhor amigo Saeed (Sajad Mohamad Qasem) e de seu galo de estimação, em busca dos ingredientes necessários.

Para quem tem como referência o cinema iraniano, é inevitável lembrar de O Balão Branco (1995), de Jafar Panahi, e Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1987), de Abbas Kiarostami. Assim como o iraquiano The President’s Cake, ambos encaram a complexidade e a crueldade do mundo sob o olhar inocente de uma criança. Seja o desejo de comprar um peixinho dourado no Ano-Novo, devolver um caderno esquecido ou preparar um bolo com cobertura, esses protagonistas enfrentam a violência e a angústia social na tentativa de evitar um fim trágico — para si mesmos ou para quem amam.

O que impressiona na direção e no roteiro de Hasan Hadi é a maneira como ele retrata um país em colapso a partir do drama de uma garotinha. Enquanto seguimos Lamia pelas ruas juntando dinheiro para comprar ovos, açúcar e farinha, testemunhamos uma economia falida, um sistema de saúde sobrecarregado, uma educação pautada por ameaças e uma polícia que oprime em vez de proteger.

Por mais que não tenha plena consciência da psicoesfera caótica à sua volta, a protagonista é moldada por ela o tempo todo. Seja vendo a avó lutar diariamente para garantir o que comerem, ou o amigo sofrer por ter um pai aleijado, e até escapar por pouco de um pedófilo que finge ajudá-la.

Ainda assim, o diretor amplia nossa visão sobre o Iraque para além da imagem de um território “em guerra”. Seus personagens enfrentam a opressão de uma ditadura, mas não são reduzidos a ela. Hadi os humaniza por meio de pequenos gestos de solidariedade — como o carteiro que dá carona e sai à procura de Lamia quando ela é presa, ou a família de Saeed, que a acolhe quando ela fica órfã.

Em seu longa-metragem de estreia, Hasan Hadi capta um dos elementos essenciais do cinema: o poder de despertar empatia pelo outro e por suas dores. Merecidamente, The President’s Cake recebeu a Caméra d’Or, em Cannes 2025, e o Prêmio do Público na Quinzena dos Cineastas.

Quem também estreia em grande estilo é Banin Ahmad Nayef, que impressiona pela naturalidade e entrega uma das melhores atuações mirins do ano. Sua personagem, marcada pelo cabelo trançado e olhar determinado, ganha profundidade através da delicadeza dos vínculos que estabelece — especialmente o apego emocional ao galo que carrega junto ao corpo durante quase toda a jornada.

Essa aventura culmina em uma cena devastadora. A esperança de Lamia em se sentir finalmente segura após entregar o bolo se desfaz com o ataque de mísseis que atinge sua escola. Lá está ela, vulnerável, brincando de não piscar com o colega enquanto sente o chão tremer com o impacto das bombas.

Filme assistido na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima