Honestino (Brasil, 2025)
Título Original: Honestino
Direção: Aurélio Michiles
Roteiro: Aurélio Michiles e André Finotti
Elenco principal: Bruno Gagliasso
Duração: 86 min (1h 26min)
Realizar um documentário sobre a vida de uma pessoa já é uma tarefa difícil por si só. Compreender quais períodos da vida do retratado abordar, se entrevistas serão feitas, com quem, em que contexto, se o próprio entrevistado falará, como será a pesquisa de arquivo para o filme – são muitas as decisões que moldam como será a obra acabada que chega aos olhos dos espectadores. Só que não havendo apenas essas dificuldades, o diretor Aurélio Michiles retrata uma pessoa desaparecida durante a ditadura brasileira e cujas representações em foto ou vídeo são quase inexistentes, justamente devido às perseguições do regime militar.

Assim, percebe-se que a criatividade do diretor teve que ir um pouco além para a criação de uma obra sensível e poética que conseguisse contar a história desejada ao mesmo tempo que criasse uma conexão entre esse acontecimento do passado e o Brasil de agora. Entre as entrevistas com amigos e família, foram utilizados também todos os tipos de documentos disponíveis, como cartas trocadas com colegas, poemas que foram escritos, as histórias orais que foram contadas, contextualizações básicas sobre a história do Brasil em cada momento. E, para trazer mais um elemento de conexão dessa história com um público que talvez não tenha passado por toda a comoção ocorrida na ditadura, ele adiciona mais um acertado elemento: a atuação de Bruno Gagliasso em pequenas inserções, dando um rosto e voz à pessoa que infelizmente não sobreviveu para contar a própria história.
Vindo em um bom momento, com todo o reconhecimento internacional que Ainda Estou Aqui teve no ano passado e baseado em uma história que passa pelos mesmos marcos de desaparecimento e obtenção do certificado de óbito muitos anos depois, o filme também não explora a figura pública para criar polêmicas. O que ele realmente faz é, a partir de um momento histórico no qual uma ponte em Brasília é oficialmente renomeada removendo o nome de um ditador para ser chamada de Ponte Honestino Guimarães, retomar essa história para que seja criada uma espécie de memória coletiva sobre essa pessoa. Mais do que um presidente da UNE, aluno da UNB, pai, filho, aqui se tenta criar uma noção sobre um ser humano completo, com angústias e alegrias, e que traz ao público a reflexão sobre quantas dessas pessoas foram desaparecidas por um governo extremista. Em um Brasil que parece perder um pouco da memória coletiva a cada quatro anos, quando há eleições presidenciais, o filme soa como um excelente lembrete para aqueles que ainda ousam defender esse regime.
Mesmo que o filme apresente alguns problemas, como a trilha sonora exageradamente melódica em um primeiro momento e a repetição do mesmo fundo para todos os entrevistados, sua relevância política segue muito maior do que detalhes menores de execução. Dentro das possibilidades e do material, o filme consegue trazer alguns momentos poéticos, como o texto que começa a ser lido pelo neto de Honestino e que transiciona para a voz de Gagliasso, ou a sua cena final, que relembra ao público o quanto passado, presente e até futuro são indubitavelmente entrelaçados.
Assim, Honestino é um filme necessário e sublime para a atual sociedade brasileira. Que o cinema possa também ser um documento para manter vivas as histórias que os nossos governos não conseguiram preservar.




