Flana (Catar, Iraque, França, 2025)
Título Original: Flana
Direção: Zahraa Ghandour
Roteiro: Zahraa Ghandour
Duração: 1h 25 min (85 min)
Durante o Festival de Curitiba deste ano, houve uma brincadeira entre os meus colegas críticos sobre uma certa fórmula que tem se feito cada vez mais presente entre as obras independentes. É uma mistura entre imagens pessoais, muitas vezes misturadas com uma boa pesquisa de imagens de arquivos, narrada com a voz do próprio diretor ou diretora. Falamos que era o evento após o reconhecimento dos talentos da Petra Costa, que utilizou o formato em Democracia em Vertigem (2019) e Apocalipse nos Trópicos (2024). E também coincidentemente, o documentário Flana tem uma proximidade deste mesmo formato.

A história contada aqui é grave, pessoal, e tem também uma ressonância com uma política governamental. Zahraa Ghandour está investigando o desaparecimento de uma amiga de infância, Nour, que sumiu aos 10 anos em circunstâncias complexas. Mas o que ela realmente faz é ter a generosidade de documentar toda uma situação e modo de vida para compartilhar essa história com o mundo, criando uma narrativa que é emocionante e surpreendente, sem nunca se tornar piegas.
Tudo o que ela nos mostra sobre esse universo das mulheres iraquianas parece um segredo, com ela aproveitando a sua situação como membro desse círculo para poder criar uma visão de dentro para fora sobre os acontecimentos. Não à toa, ela começa a obra entrevistando a própria tia, que foi parteira da maioria dos membros da família, e que também tem uma posição peculiar por não ser casada, não ter filhos e ter presenciado tantos acontecimentos ligados à decepção em ter filhas mulheres. Ainda que o público saiba que isso é uma realidade em diversos locais, vê-la em tela de forma tão natural e próxima ainda é arrebatador.
E se inicialmente não compreendemos exatamente onde o filme está tentando chegar, as imagens captadas no caminho trazem o calor que é inerente às relações humanas e nos mantém interessados no que a cineasta tem a dizer. Mesmo as imagens que parecem menos conectadas têm um peso simbólico importante, construindo uma poesia visual no desenvolver da obra. Junto com isso, ainda tem uma surpresa advinda da ignorância de ser uma pessoa latino-americana sem grandes contatos com o Oriente Médio em perceber como os estereótipos criados sobre as mulheres da região estão completamente longe de qualquer realidade. Se em um primeiro momento já me surpreendi com a ausência de hijabs, uma simples pesquisa mostra como as imagens que criamos são frágeis – e felizmente existem obras como essa justamente para quebrá-las e criar imagens mais realistas em seu lugar.
Ainda que trate de um tema brutal, o filme consegue fazê-lo com delicadeza e se preocupando sempre com o legado que essas imagens vão carregar ao trazer essa história para o mundo. Mesmo este sendo apenas o primeiro filme da diretora, ela já demonstra um controle e empatia que muitos documentaristas passam a vida buscando.