O Agente Secreto (Brasil, França, Alemanha, Países Baixos, 2025)
Título Original: O Agente Secreto
Direção: Kleber Mendonça Filho
Roteiro: Kleber Mendonça Filho
Elenco principal: Wagner Moura, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Alice Carvalho, Udo Kier e Thomás Aquino
Duração: 2 h 38 min (158 minutos)
Distribuição: Vitrine Filmes
Nesta altura do campeonato, não existe nenhuma dúvida de que Kleber Mendonça Filho é um excelente diretor. Se O Som ao Redor mostrou uma ousadia, Aquarius solidificou a sua mensagem sobre um Brasil em transformação, Bacurau demonstrou o bom humor e controle do gênero e Retratos Fantasmas nos fez nos apaixonamos tanto pelos cinemas de rua quanto pela história desse diretor embebido em cinefilia. Então, ele vem novamente nos surpreender com O Agente Secreto, que parece misturar um pouco de cada uma dessas obras para criar uma narrativa afetiva sobre o Brasil que herdamos – e sobre como tratá-lo para seguirmos com um bom país no futuro. E claramente seu trabalho foi tão bem realizado que ele se tornou recordista de premiações no Festival de Cannes de 2025, relembrando que o cinema nacional passa por um momento espetacular.

Com teasers e trailers que revelavam muito pouco, aos poucos foi se revelando uma trama na qual Marcelo (Wagner Moura) é um cidadão brasileiro que está passando por um processo semelhante ao de proteção de testemunhas, mas para protegê-lo do próprio governo brasileiro. Ambientado nos anos 1970, em plena ditadura militar, ele vai criando uma colcha de retalhos de histórias entre seus familiares, pessoas em cargos de poder e outros em situação semelhante à sua, apertando as linhas de um thriller político que parece um literal bordado à mão: apenas quando todos os nós estão dados que se compreende como são feitas todas as conexões.
Um primeiro elemento que salta aos olhos do espectador é a cinefilia do diretor, que pulsa da tela. Existe uma referência recorrente ao filme Tubarão (1975) que estava passando nos cinemas recifenses naquele carnaval, mas até pelo contexto de seu sogro Seu Alexandre (Carlos Francisco) trabalhar no Cinema São Luiz, há uma infinidade de comentários ou pequenas cenas de filmes. O clima de cinefilia é inclusive reforçado pela ocupação desse espaço que já conhecemos como público de seu Retratos Fantasmas. Cenas na sala de projeção e nos espaços restritos do cinema apenas reafirmam essa relação entre o diretor e a sua arte.
Outro elemento que salta aos olhos é o quanto existe de referências culturais assumidamente brasileiras ou até mais regionalizadas. É claro que elas dão mais camadas de significado ao longa, como a lenda da Perna Cabeluda e a nostalgia das páginas policiais dos jornais que não podiam realizar grandes investigações em tempos da Ditadura Militar. Mas mesmo uma figura super regional como a La Ursa que aparece no início do filme é trazida de volta em cenas de pesadelo, fazendo com que mesmo quem não tenha nenhuma familiaridade com o mito acabe compreendendo ao menos o contexto. Algo similar acontece com as cores que são utilizadas no filme, algo que o diretor até trouxe em sua fala na conversa que acontece após as sessões do festival. Quando perguntado sobre aquela paleta específica, ele relembra que em um mundo menos globalizado, até as possibilidades de cores, tecidos e estampas eram muito diferentes. Suas escolhas na realidade foram feitas a partir de uma pesquisa histórica apresentada pelo departamento de arte. E essa pesquisa é tão bem realizada que somos totalmente transportados para aquele local e momento históricos, com todos os elementos de época estando no lugar absolutamente correto.
Como nada está colocado em tela por acaso, o filme não utiliza o passado para contar uma história caucionária ou apenas como um modo de mostrar os horrores acontecidos durante a ditadura. Pelo contrário, a maior parte dos horrores está fora de tela, com os momentos que são mostrados ao público sendo aqueles nos quais as pessoas buscavam os seus semelhantes para criar redes de apoio e afeto. Com a consciência política do diretor, é claro que isso não significa algo leve e tranquilo, mas sim com o foco dado para o que as pessoas fizeram para se ajudar e se proteger. É inclusive necessário fazer um apontamento para a figura de Sebastiana (Tânia Maria), usada tanto como centro afetivo quanto quebra humorística no roteiro com um carisma fora do normal.
Assim, o filme vem em uma boa hora para evitar as palavras de Cazuza que via “o futuro repetir o passado”. Em sua reflexão sobre nossas origens acontecendo em uma semana na qual, pela primeira vez, uma ameaça à democracia brasileira é punida judicialmente, é difícil não ter algum otimismo.