A Contadora de Filmes (França, Espanha e Chile, 2023)
Título Original: La Contadora de Películas
Direção: Lone Scherfig
Roteiro: Rafa Russo, Walter Salles e Isabel Coixet baseados no livro de Hernán Rivera Letelier
Elenco principal: Bérénice Bejo, Daniel Brühl, Antonio de la Torre, Sara Becker, Alondra Valenzuela, Joaquín Guzmán, Santiago Urbina e Francisco Díaz
Duração: 116 minutos
Distribuição brasileira: Diamond Films
Adaptar um livro para as telas de cinema sempre será uma questão complexa, ainda mais quando a sua história envolve tanto questões de uma personagem principal quanto um comentário geral sobre um povo em uma determinada época. Se a literatura dá a liberdade de explorar melhor o universo interno dos personagens, o uso das imagens sempre vai ser algo mais impressionante no audiovisual. Assim, o mais importante é conseguir explorar essas potencialidades para passar uma mesma mensagem central, não necessariamente pensando apenas em como recontar exatamente a mesma história com os mesmos artifícios, porque o que funciona nas páginas muitas vezes não funciona tão bem em telas. E, por mais impressionante que isso seja ao considerar um livro que trata sobre a paixão pelo cinema, é nesta adaptação que a obra se perdeu.

A Contadora de Filmes tem uma base de roteiro simples e sólida: uma garota, María Margarita (Sara Becker e Alondra Balenzuela, em diferentes momentos), que é a caçula de uma família moradora do Atacama chileno. Vivendo em um momento de importante extração e exportação do salitre do deserto, ela tem uma infância com suas complexidades, principalmente após um acidente que impede o pai de seguir trabalhando nas minas. Assim, com o dinheiro contado para ir ao cinema, um grande prazer conjunto familiar, a família precisa eleger um dos filhos para ver o filme e depois recontá-lo para eles. Só que além desse texto, a obra fala sobre a existência dessas pessoas em uma localização marginalizada do mundo, do amadurecimento, da necessidade da imaginação para fugir de uma vida miserável e até da história do Chile. Mas o filme não consegue captar as sutilezas e figuras de linguagem da obra escrita, acabando por realizar um filme que inicia interessante, mas que não consegue recriar o final impactante do livro.
Ainda que ele conte com excelentes atuações de todo o elenco infantil e comece muito interessante, na medida em que vamos conhecendo todos os personagens importantes para essa garota, o excesso de personagens secundários já se torna um problema quando pensamos em uma experiência de cinema. Infelizmente, com menor tempo de contato com os personagens, suas imagens acabam sendo marginalmente borradas e é difícil se lembrar de cada um deles após o acender das luzes. Como eles não parecem existir em uma vida própria, mas apenas gravitar ao redor da protagonista, fica-se com a impressão de que não se conhece nenhum deles tão profundamente quanto desejado.
O mesmo ocorre com os fatos históricos que levam ao final da obra. No momento em que o golpe militar ocorre no Chile, tudo acontece rápido demais e não existe o mesmo respiro que na leitura para que se possa absorver o impacto de cada acontecimento. Entre mortes, abusos e abandonos, fica-se com uma impressão muito menos impressionante sobre a mudança de todo o eixo político do país. Mesmo que se compreenda o subtexto, faltam as informações necessárias para que se compreenda exatamente quais são as mudanças que ocorreram.
Assim, a espécie de epílogo que também existe no livro e traz a reflexão sobre um país de promessas e certa nostalgia por um passado que parece impossível, e que se assemelha ao de todos os países da América Latina, acaba se tornando apenas uma cena que mostra o destino daquela cidade, sem conseguir transpor a metáfora para a situação de um país e de seus cidadãos.
Mesmo colocando elementos daquele momento histórico em tela, como um figurino impecável e que se transforma ao longo do tempo na medida em que María passa de criança a adolescente, também parece haver alguma estranheza da direção com o lugar que está sendo filmado. Parece haver um filtro amarelo esverdeado que permeia toda a obra e que não permite que se compreenda a beleza e a desgraça daquele deserto. Mesmo as cenas noturnas, que poderiam mostrar a relação de pequenez em relação ao universo que se vê no céu, se tornam pouco impactantes.
Assim, o filme infelizmente falha em sua missão de recontar a história aproveitando as particularidades de uma sala escura com uma tela grande. Talvez seja melhor ao espectador interessado simplesmente ir ler o livro.