A Melhor Mãe do Mundo (Brasil, 2025)
Título Original: A Melhor Mãe do Mundo
Direção: Anna Muylaert
Roteiro: Anna Muylaert, Grace Passô e Mariana Jaspe
Elenco principal: Shirley Cruz, Seu Jorge, Katiuscia Canoro, Rihanna Barbosa , Luedji Luna e Benin Ayo
Duração: 1h45min (105 minutos)
Distribuição: Galeria Distribuidora
Novo longa de Anna Muylaert explora maternidade sob a ótica da marginalização urbana
Minha cena favorita de A Melhor Mãe do Mundo é uma das mais breves e, na mesma medida, uma das mais representativas do filme. Nela, Gal (Shirley Cruz) dança junto com seus dois filhos, Rihanna (Rihanna Barbosa) e Benin (Benin Ayo), em frente à vitrine de uma loja de roupas. A vivacidade da coreografia espontânea dos três contrasta com o modelo de família branco, elitizado e posado vendido pelas vitrines. Diferente dos bonecos de plástico atrás do vidro, esses personagens são pessoas reais, de carne e osso, com traumas, sonhos e sangue correndo nas veias.

O momento de descompressão e divertimento faz parte da “aventura” proposta por Gal. Catadora de materiais recicláveis, ela se vê obrigada a fugir de casa por conta da violência física e psicológica que sofre do namorado, Leandro (Seu Jorge). Ainda apaixonada por ele e com o dinheiro contado na pochete, ela só tem uma motivação para enfrentar as hostis ruas de São Paulo: proteger seus filhos — frutos de relacionamentos amorosos anteriores — de terem a infância roubada por um lar perturbado, como ela teve. Para os pequenos, no entanto, tudo não passa de uma grande jornada em busca de diversão ao lado da mãe.
Parte da organicidade encantadora de A Melhor Mãe do Mundo está no elenco. Além de sua experiência pessoal com a maternidade, Shirley Cruz fez amizade com diversas catadoras durante a pesquisa para sua protagonista. Em uma de suas declarações, a atriz explicou que essa aproximação com elas foi essencial para compor os anseios nas telonas, bem como suas revoltas. Apesar de alguns tiques, a performance de Cruz transparece as nuances de alguém que é vítima de um relacionamento abusivo, desviando o olhar quando fala das agressões que sofreu, e da mulher batalhadora que cresce dentro de si, capaz de carregar uma carroça com a prole em uma viagem a pé de dois dias até a casa da prima.
Quem também dá um show e rouba cada cena são Rihanna Barbosa e Benin Ayo. Perguntados por Anna Muylaert se preferiam usar nomes fictícios ou os nomes reais, eles optaram pelos nomes da certidão de nascimento. A escolha é um reflexo da autenticidade que eles imprimem em seus papéis: a mais velha, contrariada com as escolhas da mãe e, principalmente, com a vida que ela leva com o padrasto; o mais novo, com respostas assertivas na ponta da língua, pronto para defender a mãe a todo custo, e com um carisma que ainda o levará longe. Os dois colecionam as melhores performances mirins do cinema brasileiro neste ano, ao lado de Isaac Amendoim, de Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa.
Todos eles são potencializados pela direção e roteiro de Anna Muylaert. A veterana possui uma carreira marcada por altos e baixos e, felizmente, está em um de seus altos neste filme. Ela retorna a temas familiares de sua filmografia, como a maternidade (Que Horas Ela Volta?), a cena paulistana (Durval Discos) e o empoderamento feminino (O Clube das Mulheres de Negócios). Seu trabalho ainda é destacado pelo time da edição de som — composto por Rubén Valdés, Miriam Biderman e Ricardo Reis —, que intensifica a poluição sonora da metrópole para representar a opressão sentida por Gal e faz do toque de celular dela o gatilho que a acorrenta a Leandro.
Como comecei esta crítica falando da minha cena favorita, vou terminá-la falando da minha segunda cena favorita: o momento em que Gal, Rihanna e Benin transformam um chafariz em um parque aquático enquanto tomam banho em público. Este é um exemplo de como o filme está disposto a encarar o mundo como ele é, mas também propor de que forma ele pode ser melhor. É isso que faz nossos olhos brilharem diante das telonas e me levou a deixar a sessão com vontade de dizer para minha mãe que ela é a melhor do mundo por tudo que faz por mim.