Crítica | Animais Perigosos

Animais Perigosos (Austrália, EUA, 2025)
Título Original: Dangerous Animals
Direção: Sean Byrne
Roteiro: Nick Lepard
Elenco principal: Hassie Harrison, Jai Courtney, Josh Heuston, Ella Newton e Rob Carlton
Duração: 98 minutos
Distribuição brasileira: Diamond Films Brasil

Desde que Tubarão foi lançado em 1975, a humanidade passou a ver esses animais um tanto inocentes e até mesmo inofensivos para nós como verdadeiros monstros dignos de filmes de terror. Cinquenta anos depois, Animais Perigosos vem para questionar quem seriam, na verdade, os animais perigosos.


O filme se assume clichê já na primeira cena. Vemos uma dupla de turistas que recém se conheceu em um hostel, Greg e Heather, indo em busca de uma aventura inusitada: mergulhar com tubarões. Um detalhe importante: ninguém do grupo deles sabe onde eles estão, pois todos foram para o SeaWorld, mas eles perderam a hora. Eles logo encontram Tucker (Jai Courtney), que lhes proporciona o passeio que procuram. A direção de Sean Byrne faz de tudo para criar suspense com o mergulho dos dois em uma gaiola em meio às criaturas e a fotografia de Shelley Farthing-Dawe nos entrega planos bem bonitos dos bichos nadando em mar aberto. Tudo dá certo e eles saem da água impressionados com a beleza do que viram. Tucker esfaqueia Greg no pescoço, o joga de volta para o mar sangrando e sequestra Heather. Créditos de abertura com um rock animado.


É um começo que funciona muito bem e já deixa claro para o espectador o que está por vir. Até porque, se alguém ainda esperava que os tubarões fossem ser os vilões, agora o título já está esclarecido.


Após a abertura, somos apresentados a Zephyr (Hassie Harrison), que logo conhece Moses (Josh Heuston), e eles seguem para a casa dele para passarem uma noite juntos. O novo casal preenche todos os requisitos: os dois são surfistas, estão dentro do padrão de beleza, falam inglês perfeito, têm carisma, são carinhosos e capazes de se apaixonar em questão de uma ou duas horas. Moses é australiano, mas Zephyr é uma viajante solitária que vive como nômade em sua van em busca da onda perfeita. Outro ponto positivo do filme é que não há enrolação nenhuma até que Zephyr cruze o caminho de Tucker e vire sua próxima vítima. Se assumir clichê requer saber usar as características desse fator a favor do filme e Byrne e o roteirista Nick Lepard sabem bem o que estão fazendo. O filme também é rápido em nos mostrar o encontro de Zephyr e Heather no porão do barco de Tucker e logo descobrimos o plano dele. Ele pendura Heather na água cheia de tubarões e faz Zephyr assistir enquanto ele grava em fita VHS a vítima se debater e ser engolida pelos animais (na cena mais violenta do filme, vale dizer). É claro que, já no dia seguinte, Moses percebe o sumiço da amante e aciona a polícia.


A partir daí, está entregue o jogo de gato e rato. Zephyr precisa tentar sobreviver a Tucker e este precisa seguir com seu plano perfeito antes que Moses e a polícia o alcancem.


A forma como Byrne conduz as sequências levemente claustrofóbicas dentro do barco é muito eficiente e não só gera como segura a tensão por longos períodos. Cada plano de fuga de Zephyr, cada nova descoberta sobre os atos de seu sequestrador, cada movimento de Tucker em relação a ela nos deixam nervosos e sem saber o que esperar. Neste sentido toda a primeira metade do filme é muito eficiente e até empolgante. Mesmo com todos os clichês, o longa é muito bem feito – e, portanto, bem-sucedido naquilo que se propõe.


O problema começa quando Zephyr já tentou e quase conseguiu fugir algumas vezes e ainda temos que ver novas tentativas, cada vez mais absurdas. Chegamos a um ponto em que a repetição se torna cansativa. Toda vez parece que ela vai conseguir, toda vez o roteiro nos faz acreditar que uma virada está por vir e toda vez Tucker consegue vencê-la e tudo volta a ser como já estava. Há um excesso tão grande desse drama e dessa tensão que o filme passa a perder o público. Na minha sessão, cheguei a ouvir comentários em voz alta como “tá brincando que ele fez isso de novo?” e até um “ah, vai se f*der” seguido de risos.


Apesar disso, um bom terceiro ato em que a perseguição a Tucker e o conflito dele com Zephyr finalmente atingem o clímax e o roteiro entrega uma resolução bastante satisfatória para a história consegue manter a empolgação com o filme em alta. É preciso dizer, sem spoilers, que ainda há uma boa forçada de barra com o romance de Zephyr e Moses que ajuda a derrubar um pouco o final do filme, mas, depois de entender que este tem a intenção de ser um grande clichê, é um tropeço perdoável.


Uma coisa que não se pode deixar de comentar é o cuidado do filme em apresentar os tubarões como animais que não se interessam em se alimentar de humanos e só o fazem quando se confundem – ou são propositalmente enganados. O próprio vilão explica algumas vezes para suas vítimas que essa ideia de que eles seriam animais violentos é, na verdade, uma construção social equivocada e a mocinha, surfista e nadadora, usa isso a seu favor quando é jogada aos bichos. Ficando parada na água, sem se debater em desespero, ela não é atacada. Esse ponto é muito importante tanto para modificar a ideia de que tubarões são assustadores quanto para que o filme não caia no buraco do descuido com o universo que apresenta. Isso para não citar o jogo bem sacado do significado do título.


As atuações do elenco estão surpreendentemente boas. Jai Courtney se mostra um excelente vilão como Tucker. Hassie Harrison, além de ser realmente muito bonita, consegue construir uma Zephyr com personalidade apesar dos clichês de mocinha. Josh Heuston, além de ser muito bonito, consegue dar carisma a Moses apesar dos clichês de mocinho. E mesmo atores que aparecem menos, como Ella Newton, que faz a Heather, e Rob Carlton, que faz o vizinho de Tucker, Dave, encarnam suas personagens com uma qualidade acima da média para filmes de terror independentes.


Sinto um pouco de falta de ver mais desenvolvimento na história de Tucker, o nosso grande animal perigoso. Como ele se tornou esse serial killer aficionado por tubarões? Por que tanto prazer em ver suas vítimas serem devoradas? Acredito que o filme poderia crescer mais nos dando algumas dicas sobre o seu passado – e tenho um pouco de medo de que a equipe decida explorar isso em uma possível continuação ou prelúdio.


Não há como sair da sala sem a sensação de que houve um desperdício de potencial e de que o filme poderia ganhar força evitando alguns deslizes, mas isso não muda o fato de que Animais Perigosos é um ótimo filme do gênero e um bom twist nos filmes de animais caçadores que ameaçam presas humanas. Com um bom roteiro, uma direção mais do que decente, uma fotografia que sabe destacar a beleza das paisagens naturais e dos animais que retrata e um bom uso do terror, do suspense e da violência, o filme se coloca na lista dos bons filmes de terror do ano e vemos que não é a toa que vem se destacando entre público e crítica desde sua estreia no Festival de Cannes.

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