Aqui (EUA, 2024)
Título Original: Here
Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: Eric Roth e Robert Zemeckis baseados na novela gráfica de Richard McGuire
Elenco principal: Tom Hanks, Robin Wright, Paul Bettany, Kelly Reilly, Lauren McQueen, Zsa Zsa Zemeckis
Duração: 104 minutos
Distribuição brasileira: Imagem Filmes
Qualquer pessoa que já visitou um museu ou um local histórico já se fez a pergunta: quais foram todas as pessoas e situações que aconteceram aqui, neste lugar que já deve ter passado por tantas coisas e que existe neste momento no espaço e tempo. E esta é a premissa da novela gráfica Aqui, de Richard McGuire e agora adaptada para o formato de longa-metragem por Robert Zemeckis. Uma reflexão sobre a humanidade e as alterações comportamentais considerando um único espaço, filmado a partir de um único ângulo, em momentos muito diferentes do tempo.

A HQ que inspirou o filme foi, de fato, bastante inovadora. Utilizando o espaço de pequenos recortes dentro de um quadrinho para falar sobre acontecimentos de diversos momentos naquele único ambiente, em poucas páginas ela consegue dar conta de muitos sentimentos. Páginas dedicadas às coisas que unem a humanidade, outras pensadas para falar sobre a mudança do espaço ao longo do tempo, o autor conseguiu criar uma harmonia muito específica que permite que se compreenda todas as linhas do tempo de maneira eficaz e emotiva. E, diferentemente do filme, ele ainda encontra espaço para especular sobre o futuro daquele espaço, entrando com uma crítica em relação ao nosso tratamento com o planeta e as mudanças climáticas.
No sentido de tratar das características inerentes à humanidade, o filme faz seu trabalho de adaptação de maneira impecável. Entre os ritos de nascimento, reprodução e funerais, o grandioso time de atores consegue entregar todas as emoções possíveis. A decupagem da obra, que parece muito inspirada na HQ, também é bastante precisa para saber em qual momento introduzir as cenas de outra época e até criar o tipo de eco que é essencial para a sua compreensão pelo público. Sabe-se a hora de criar cenas complexas e de colocar algo mais leve, permitindo que todos os momentos sejam devidamente assimilados sem se criar uma cacofonia – o que seria fácil de acontecer nas mãos de um diretor menos experiente.
Ainda que se abordem temas mais amplos, a transformação da sociedade estadunidense a partir da ótica do capitalismo talvez seja o elemento mais marcante da obra – seja pela mudança dos objetos, de atitudes e de comportamentos. Conseguimos ver na obra o desenrolar do modo de vida estadunidense mudando frente aos nossos olhos, com influências como o feminismo e o consumismo tendo consequências diretas na vida dos personagens. É até interessante que o filme opte por não falar sobre discursos políticos específicos que aconteceram ao longo desses anos, porque isso se tornaria algo maior do que um longa-metragem consegue abarcar.
Infelizmente, é justamente ao tentar dar conta de mais do que é capaz que o filme comete seus maiores deslizes. As sequências que se passam nos anos 2020, quando uma família negra ocupa a casa, são especialmente problemáticas por tentarem dar conta de um discurso tão enraizado na história do país que parece leviano abordá-lo apenas neste período específico de tempo. Assumir que esta é uma história que acontece principalmente em espaços ocupados por uma classe média branca estadunidense seria um recorte mais honesto e que evitaria facilmente este problema. Até a questão da empregada doméstica, também colocada como elemento residual desta narrativa, é extremamente simplificada e sem significado perante o que se tenta dizer com toda a obra.
Mesmo com pequenos problemas narrativos, o filme encanta tanto pela forma quanto pelo conteúdo – e indiscutivelmente, como a maioria dos filmes do Zemeckis, é uma excelente obra para juntar a família em uma sessão de cinema. Mas provavelmente depois dessa sessão, também aconteceria um momento de terapia coletiva em família.