Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Estados Unidos, 2016)
Título Original: Batman v Superman: Dawn of Justice
Direção: Zack Snyder
Roteiro: Bob Kane e Bill Siegel
Elenco principal: Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Jesse Eisenberg, Diane Lane, Laurence Fishburne, Jeremy Irons, Holly Hunter e Gal Gadot
Duração: 152 minutos
Batman v Superman: A Origem da Justiça não demora a revelar suas intenções. Desde os primeiros minutos, fica evidente que Zack Snyder quer muito mais do que apenas juntar dois dos maiores ícones da cultura pop em cena: ele deseja reconfigurá-los, esvaziando o heroísmo clássico em nome de uma estética melancólica e monumental. Seus heróis não surgem como faróis de esperança, mas como figuras corroídas pelo peso de existirem enquanto símbolos. São entidades que não inspiram; pairam.

O projeto é ambicioso, sem dúvida. O que se vê é uma tentativa constante de transformar cada gesto, cada aparição e cada sacrifício em imagem mítica, quase religiosa. A grandiosidade é o filtro por onde tudo passa: a fotografia escura, os enquadramentos reverenciais, o uso ritualístico do slow-motion. Há uma solenidade quase sufocante que, em tese, deveria traduzir a dimensão épica da história, mas que frequentemente apenas a distancia de qualquer humanidade.
Snyder entende o peso mitológico das figuras que tem em mãos. Existe, no seu cinema, uma tentativa constante de elevar seus heróis a um plano quase religioso, de estilizá-los até o limite da iconografia, de torná-los maiores que a vida. É uma leitura coerente com a tradição da DC Comics, sempre mais afeita ao panteão do que à vizinhança. Mas Batman v Superman, ao se agarrar com tanto afinco a essa grandiosidade solene, acaba tropeçando naquilo que deveria sustentar qualquer mito: a humanidade.
Não se trata da ausência de cenas visualmente marcantes, pois elas existem e em abundância. O problema é que essa estilização se torna rapidamente uma armadura que esconde o vazio emocional. O filme apresenta os heróis como figuras corroídas por suas próprias existências, mas pouco se preocupa em construir as camadas dramáticas que justificariam esse peso. Superman salva o mundo com a expressão de quem carrega o mundo nas costas, e Batman, tornado uma máquina de matar, parece mais um executor de suas angústias do que um herói movido por qualquer senso de justiça.
É possível reconhecer no filme uma ambição rara dentro do gênero: a de não apenas entreter, mas também de afirmar uma visão de mundo, de levantar questões morais, políticas e filosóficas através de seus personagens. Contudo, Snyder, Chris Terrio e David Goyer parecem mais interessados em sugerir essas questões do que em realmente desenvolvê-las. Há esboços de ideias, fragmentos de discussões sobre poder, responsabilidade, divindade e vigilância… mas tudo se perde na mise-en-scène desarticulada, na dramaturgia que confunde solenidade com profundidade.
O que resta, então, é uma experiência que se pretende épica, mas que se revela exaustiva. O slow-motion excessivo, a música grandiosa a cada gesto, a ausência de pausas que revelem o interior dos personagens, tudo parece contribuir para uma espécie de culto à imagem, como se bastasse parecer importante para sê-lo. O plano de Bruce Wayne sendo elevado por morcegos, por exemplo, é simbólico na forma, mas brega no conteúdo, soando mais como um delírio desajustado do que uma representação eficaz de renascimento.
Ainda assim, é curioso observar como Batman v Superman se destaca, mesmo que por motivos equivocados, num cenário dominado por fórmulas recicladas e universos cinematográficos pasteurizados. Ao menos, há aqui uma tentativa sincera de autoria, de imprimir uma identidade. E isso, mesmo quando fracassa, ainda pode ser mais honesto do que a neutralidade fabricada de obras como Adão Negro ou Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Mas o que fazer quando essa autoria não é acompanhada por talento equivalente? O resultado é um filme que quer dizer muito, mas só consegue insinuar; que quer ser arte, mas se contenta com a pose.
Batman v Superman não é um desastre, é um filme com lampejos de ideias, visualmente impactante, e com uma identidade bastante definida. Mas é também um filme refém de sua própria pretensão, incapaz de encontrar dentro de sua estética pomposa aquilo que os super-heróis sempre carregaram de mais poderoso: a empatia.