O Último Azul (Brasil, México, Holanda e Chile, 2025)
Título Original: O Último Azul
Direção: Gabriel Mascaro
Roteiro: Gabriel Mascaro, Tibério Azul e Murilo Hauser
Elenco principal: Denise Weinberg, Rodrigo Santoro, Adanilo, Miriam Socarras, Rosa Malagueta, Dimas Mendonça e Clarissa Pinheiro
Duração: 85 minutos
Mesmo sendo brasileira, é difícil não demonstrar algum choque com o início de O Último Azul, quando somos apresentados à personagem Tereza (Denise Weinberg) e sua profissão incomum dentro de um frigorífico de jacarés no meio da Amazônia. Isso dá um choque inicial e, apesar de ser uma realidade no Norte do país, nos coloca nos eixos para entendermos que aquela não será uma história comum. Então, somos apresentados ao conceito de ficção especulativa: nessa realidade, todas as pessoas idosas precisam se cadastrar para serem enviadas para uma colônia de idosos, se aposentando imediatamente e não sabendo exatamente o que as espera nesse local.

Tereza não se preocupa tanto com essa aposentadoria compulsória, mas consegue enxergar as consequências na cidade, entre aviões com propaganda e pessoas da prefeitura a abordando e pedindo documentos. Mesmo mostrando habilidades de locomoção mesmo em uma região de palafitas, há uma insistência em conversar com ela de maneira devagar e alta, sugerindo uma velhice que podemos perceber que a personagem não sente. Então, quando ela é confrontada com a realidade de precisar ir para essa colônia, ela decide viajar para realizar o sonho nunca cumprido de andar de avião – sem nem imaginar que haverá uma trilha muito maior do que ela imagina pela frente.
O que Gabriel Mascaro consegue desenvolver é uma história que aproveita as especificidades locais para trazer uma narrativa global sobre o direito a um envelhecimento sadio e, principalmente, a necessidade da capacidade de sonhar independentemente da idade. Todos os detalhes são bem encaixados para criar uma jornada do heroi que se aproxima à estrutura clássica de Campbell, mas de maneira tão amazônica que seria impossível a obra ser criada em qualquer outro contexto.
Tentando não dar detalhes excessivos sobre a trama, uma vez que o chamado ao desconhecido faz parte de como a narrativa é construída, podemos comentar sobre a importância de alguns elementos trazidos à tona pelo roteiro. Um deles é o sempre presente caracol da baba azul, que traz elementos de um conhecimento ancestral e que leva a uma viagem astral para abrir os caminhos da sua vida. Representando uma espécie de jurema sagrada, ela é essencial para representar este local onde o mágico e o comum estão sempre próximos, com uma capacidade de leitura dos arredores que foge a quem não está acostumado a perceber os detalhes. A mesma coisa acontece em relação às apostas no jogo do bicho e nos peixes dourados, sendo a segunda uma tradição real, apenas embelezada para o filme. A ausência do Estado na região para questões realmente importantes como a saúde ou a educação levam a um caminho de necessidade real, representado de forma ficcional mas que não deixa de colocar sua crítica social.
Essa representação amazônica também é muito importante, trazendo às telas uma imagem menos convencional do que aquela do exotismo muito presente nas imagens sobre o Norte do país. Temos, sim, elementos mágicos, mas há também toda a rotina comum, o trabalho intenso, a moradia de difícil acesso, os momentos de diversão e os de preocupação. E criam-se personagens incríveis, como o barqueiro Cadu (Rodrigo Santoro), que precisa do caracol para conseguir entrar em contato com sua masculinidade prejudicial, e a freira Roberta (Miriam Socarras), representando também a exploração da fé que é comum em todo o território nacional.
Surpreendente e instigante, o filme foi muito aplaudido e premiado em um momento em que o cinema brasileiro, felizmente, está sob holofotes. Fica o desejo que ele possa espalhar sua mensagem de esperança no nosso país, em um momento em que o brasileiro precisa tanto dela.