Eddington (EUA, Reino Unido, Finlândia, 2025)
Título Original: Eddington
Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco principal: Joaquin Phoenix, Pedro Pascal, Emma Stone, Austin Butler, Luke Grimes, Deirdre O’Connell e Micheal Ward
Duração: 148 minutos (2h 28min)
Distribuição: Universal Pictures
Se pensarmos bem, e considerando que passamos por um período pandêmico que teve início há 5 anos atrás, a humanidade ainda não teve tempo suficiente para superar todo um período de isolamento, perdas e auto-questionamento. Logo, é natural que o cinema, como ferramenta de espelho para o que é a sociedade no antes, no agora e no futuro, ainda se mostre tão aficionado, tão apegado, a falar sobre o mergulho que o mundo se viu obrigado a fazer no caos, na paranóia e nos excessos – de tela, principalmente. Tudo se misturou, nossas vidas se confundiram, nos conflitamos enquanto sociedade e, paralelamente, a política se alimentou de todas as situações-limite que o mundo enfrentou desde então.

Compreensível, então, que alguém como Ari Aster também queira entrar nesse barco e entregar ao mundo o seu “filme de pandemia”, aquele que talvez melhor represente a sua visão de mundo e sociedade. Eddington chega anunciado como o filme mais palatável do diretor de Hereditário e Midsommar, justamente por querer ser esse espelho comportamental de toda uma sociedade, mas ambientada num microcosmo de uma pequena cidadezinha no Novo México. Aster troca o horror de ambientação dos seus dois filmes citados e faz de Eddington uma espécie de irmão mais novo de Beau Tem Medo ao dar vazão ao horror nascido das situações-limite, do trauma, da dor e do descontrole emocional: ohorror do que se tornou cotidiano. A questão é que ainda existe um mundo gigantesco dentro do cotidiano, e ao tentar abraçar esse mundo inteiro, o diretor se atrapalha.
Acompanhando o conflito entre um xerife (Joaquim Phoenix, tão adequado ao papel quanto a loucura do personagem lhe permite) e o prefeito (Pedro Pascal) da cidade de Eddington, tudo chega a um estopim a ponto dos habitantes da cidade se virarem uns contra os outros, abandonando a serenidade da convivência que imperava na pequena cidade. A partir disso, o roteiro de Aster abraça alegorias políticas que são muito mais diretas do que o pesadelo febril que foi Beau Tem Medo, enquanto o mundo ao redor é engolido por teorias negacionistas, fanatismo, fake news em redes sociais, tribunas digitais e até bitcoins. Tudo a partir da crise de masculinidade entre dois homens dentro de um mundo em colapso, mas observado através desse microcosmo.
Concordo que vivemos muitas coisas de uma vez quando se fala e pensa no período pandêmico, mas cinema é narrativa, e mesmo nesta que é objetivamente caótica, as duas horas e meia confundem isso com desorganização de ideias. Eddington tem tanta coisa a falar, a representar, a exemplificar, mas nenhuma delas parece chegar até o fim. Aster parece determinado a chacoalhar o espectador de qualquer forma, gritar o seu desconforto a plenos pulmões, e daí que todo esse furor parece tão imposto ao espectador que a experiência muito mais nos afasta do que instiga, muito mais nos tira a paciência do que segura o interesse.
Penso muito num outro “filme de pandemia” muito recente, o nacional Enterre Seus Mortos, de Marco Dutra, e que em nenhum momento põe a palavra “pandemia” na boca de seus personagens. O filme de Dutra também foi apontado como caótico, desorganizado, e por aí vai… mas era (na verdade, é) um filme que, acima de tudo, buscava no silêncio e na interiorização de seus personagens o grito de desespero sobre o colapso do mundo. O filme de Dutra é um filme que entende o desconforto do silêncio, enquanto que o filme de Aster quer ser notado a qualquer custo.
Nessa construção desenfreada, existem momentos de respiro que denotam um cineasta que, se organizasse melhor suas ideias, atingiria um gigantesco potencial irônico. Talvez nem o fã mais aficionado de Katy Perry esperasse a aplicação de Firework aqui, trazendo um ar tragicômico que parece fazer falta na maior parte da narrativa – a comédia de Aster aqui se leva a sério demais. A insanidade coletiva retratada também alcança alguns resultados assustadores, refletindo justamente o que foi passar por três anos de isolamento social e medo do colapso do mundo.
Infelizmente, é na hora de desatar o nó que o diretor se revela tão despreparado. Porque ser sátira política, drama psicológico, faroeste moderno (confesso que gosto MUITO de como o filme se apropria de vários códigos do western clássico), metáfora sobre o apocalipse… tarefa hercúlea que exige uma organização de pensamentos para a qual Aster, provavelmente, não estava preparado. É como se dentro de um único filme, ainda quisessem existir vários filmes, mas todos sufocados pelas mãos de um cineasta que quer apontar o dedo sobre tudo e para tudo – eu teria ficado bem satisfeito se fosse um filme só sobre o conflito de masculinidades entre os dois personagens principais.
No fim, acho que Eddington é um espelho sim, mas um espelho distorcido daquele período que vivemos, inconclusivo em todas as suas provocações. Talvez não fosse de Ari Aster que nós realmente devêssemos precisar de mais um filme pandêmico.




