Crítica | Especial Halloween | Batem à Porta

Batem à Porta (EUA, 2023)

Título Original: Knock at the Cabin
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan, Paul Tremblay e Steve Desmond
Elenco principal: Dave Bautista, Jonathan Groff, Ben Aldridge, Nikki Amuka-Bird, Rupert Grint, Abby Quinn e Kristen Cui
Duração: 100 minutos (1h40min)

Sempre é estranho ler, ver ou ouvir alguém dizer que “Shyamalan voltou” quando o próprio nunca foi embora. Nesse caso entende-se o “voltar” com as reações divisivas e sempre muito extremas com que seus filmes são recebidos, e pode-se muito bem questionar a qualidade de cada projeto do indiano. Mas é impossível fechar os olhos para a movimentação que Shyamalan sempre trouxe para a indústria, para o bem e para o mal.

Dito isto, é igualmente estranho que a cada pré-lançamento de um filme, as expectativas levem tantos a perguntar “tem twist?” conforme saem as primeiras reações. Mais de vinte anos desde sua ascensão no fim dos anos 90, e Shy ainda parece amaldiçoado por exigências e imposições de um público que, por algum motivo, sempre espera que o diretor entregue um novo O Sexto Sentido para eles. É impressionante que tão poucos enxerguem que Shyamalan nunca foi atrás disso.

Prova disso é que o cinema do diretor sempre se manteve numa dualidade entre o experimental e o autoral. Ora, estamos falando de alguém que entregou um filme de super-herói quase sem nenhuma cena de ação, um filme de alienígenas onde quase não vemos as criaturas, uma fantasia onde jamais vimos o mundo fantástico que a personagem lúdica descrevia, e por aí vai. Abraçando temáticas de gênero e renegando grande parte das convenções dessas histórias, Shyamalan se destaca esses anos todos como autor de caminhos próprios, de abordagens próprias, que no seu cerne sempre encontravam o principal pilar na formação familiar.

Se o cinema do cineasta não lhe agrada, não é Batem à Porta que teria feito diferente. Ao menos não no sentido radical da coisa, até porque esse talvez seja um dos filmes mais redondos e fechados de Shyamalan – talvez daí tantas comparações com Sinais, já que novamente temos uma situação macro vista sob um ponto de vista micro.

Não há reviravoltas em Batem à Porta, sendo o mais direto possível. Não à toa, o filme se inicia direto no problema, quando uma família de dois homens e sua filha são cercados em sua cabana por quatro indivíduos que afirmam que, para o Apocalipse não acontecer, eles terão que fazer uma escolha.

Não é a primeira vez que Shyamalan recorre a simbolismos bíblicos para falar da crença em algo maior do que você mesmo (novamente, Sinais), e não estranhe se você tiver a impressão de que ele já fez esse filme antes, até porque sim, ele já fez. O que diferencia o cinema de Shyamalan dos seus primórdios desde sua “retomada” com A Visita é como seus filmes se tornaram cada vez mais objetivos e contextualizados, sem grande atenção para digressões, subtramas, etc. Isto acarretou acusações para seus filmes, é claro: há quem diga que Shyamalan não sabe mais desenvolver personagens, o que se revela um erro quando um olhar mais atento deixa claro que ele continua tratando seus personagens dentro do mesmo arquétipo de pessoas comuns, mundanas mesmo, se vendo diante de situações fantásticas.

Junto a isto, Shyamalan ainda se mantém firme como um dos maiores arquitetos de imagens dos nossos tempos, com encenações e controle do tempo absurdamente precisos e cada vez mais raros para a Hollywood esquizofrênica de hoje. Não se enganem, apesar de todos os simbolismos, seus filmes se mantém como filmes-pipoca assumidos, de fácil compreensão ao público, menos interessados em exibicionismos filosóficos e mais preocupados em explorar a potência de suas histórias.

Daí não é de se estranhar que Batem à Porta pareça um irmão muito próximo de Tempo, seu filme anterior, e não digo isso por ambos não serem roteiros originais do diretor, mas por se assumirem como recortes do nosso tempo tão marcados por uma recente pandemia que devastou completamente o planeta e nos levou a um isolamento social indesejado, onde nos lançamos em reflexões, redescobertas e decisões a serem tomadas.

A decisão é um elemento essencial em Batem à Porta, tal qual foi no desfecho de Tempo, e a obrigação iminente de uma decisão que sustenta o elevado nível de tensão e curiosidade desse filme. E numa obra onde as escolhas são o que definem o findar de tudo, é muito interessante como o roteiro desenha o casal Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldridge) através de muita sutileza como duas pessoas completamente diferentes (belíssima a cena em que ambos apontam os defeitos um do outro), mas que se amam e se sentem dispostas a, á sua maneira, fazer o que for preciso por sua família. É aqui que a crença de cada também se torna um elemento essencial ao filme, com o ceticismo e a crença gradativa sendo muito bem representados nas personalidades e reações de cada personagem.

Em contraponto, um ótimo Dave Bautista trabalha com muita eficiência a dualidade entre sua figura imponente e ameaçadora com sua personalidade educada e que busca o máximo de palavras de conforto possível para quebrar a barreira cética do casal e convencê-los da crença de que o destino do mundo está nas mãos deles (e não, não é à toa que é um casal homossexual).

No fim, Batem à Porta é um filme que repousa sua catarse no que há de mais essencial no cinema de Shyamalan: a crença no fantástico, no metafísico, e a pureza do amor familiar no centro disso tudo. Novamente, é o mesmo filme que Shyamalan já fez antes (até melhor, em algumas ocasiões), mas quem dera tivéssemos mais autores tão comprometidos e empenhados na manutenção da linguagem de seu cinema dentro de propostas que, se não inovadoras, preservam seu caráter disruptivo – e melhor, numa experiência com menos de 100 minutos. Ponto para o indiano.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima