Crítica | Extermínio

Extermínio (Reino Unido, EUA, 2002)
Título Original: 28 Days Later
Direção: Danny Boyle
Roteiro: Alex Garland
Elenco:Cillian Murphy, Naomie Harris, Megan Burns, Noah Huntley, Christopher Eccleston e Brendan Gleeson
Duração: 113 minutos
Disponível em: Claro TV+

Revisitar Extermínio duas décadas depois do lançamento do filme é um exercício interessante que comprova que a fama que ele teve entre 2002 e 2003 ainda se sustenta. É um filme muito bem realizado, bem escrito, dirigido e atuado, que consegue contar uma história simples em um mundo complexo, se utilizando de uma estética de filme b potencializada pelas imagens gravadas com uma camerazinha DV (algo um pouco melhor que uma Tekpix). 

Como hoje já sabemos, Extermínio acabou sendo responsável pelo ressurgimento do gênero “filme de zumbi” no início do novo milênio, após uma queda de popularidade nos anos 90. Alex Garland, então escritor e fã dos clássicos de George Romero (Noite dos Mortos Vivos e Madrugada dos Mortos Vivos) ganhou uma cópia do jogo Resident Evil e percebeu que já fazia um tempo que não via um bom filme de zumbi nos cinemas. Aproveitou o fato de que um diretor em ascensão havia acabado de adaptar um de seus livros e propôs um roteiro com as criaturas. Danny Boyle gostou do que leu e decidiu dirigir o filme com toda a coragem necessária para bancar o projeto: um roteirista estreante, câmeras digitais baratas de qualidade mediana e um elenco de desconhecidos (uma escolha proposital para gerar no público a sensação de que a história poderia ser real) não foram exatamente grandes atrativos para patrocinadores, então o orçamento era baixo.

A história começa com um clichê para quem gosta do gênero. Cientistas fazem experimentos em animais, surge um novo tipo de vírus e um incidente leva esse vírus a infectar humanos, com resultados imprevisíveis. Os 28 dias do título original se passam e vemos Jim, personagem de um jovem Cillian Murphy, acordando nu em uma cama de hospital, onde se recuperava de um acidente que sofreu antes do vírus ter se espalhado. Uma coisa interessante de observar enquanto ele anda pela cidade de Londres é que, apesar da estética pós-apocalíptica, ainda não passou tempo o suficiente para tudo virar ruínas. Então é como se ele caminhasse por ruas que acabaram de receber um bloco de carnaval e foram abandonadas logo em seguida, por algum motivo misterioso. 

Não demora até que ele encontre os primeiros mortos-vivos e precise ser resgatado por vivos. Somos apresentados à dupla Selena (Naomie Harris) e Mark (Noah Huntley), que acolhem Jim e explicam o que aconteceu enquanto ele estava em coma. Logo, entendemos que os dois vivem colocando a sobrevivência acima de tudo e fazem o que for necessário para se manterem longe do vírus. Uma lição difícil, pois em poucos minutos de filme vemos Mark ser infectado e Selena o matar rapidamente, sem pensar duas vezes. Jim começa a questionar a postura de Selena e ela responde apenas que, se ele quiser continuar vivo, terá que agir dessa forma. 

O que nos leva a uma nova dupla, o pai Frank (Brendan Gleeson, nome mais conhecido do elenco) e a filha Hannah (Megan Burns), que acolhem Jim e Selena em seu pequeno e seguro apartamento. Jim se sente confortável, mas Selena logo desconfia que os dois querem alguma coisa, provavelmente proteção. Em uma conversa, chega a dizer para Jim que os dois precisam mais deles do que eles dos dois e que a dupla pode atrasá-los se precisarem correr. Jim responde abertamente que não concorda com essa postura e ela volta a dizer que é o necessário para sobreviver, o que gera um olhar de Jim que parece questionar em silêncio: “sim, mas a que custo?”. Vale a pena sobreviver apenas pela sobrevivência? No dia seguinte, Frank e Hannah revelam que ouviram a conversa e o pai assume que, sim, estava esperando mais gente para poder se aventurar até um posto de segurança do exército que transmite constantemente uma gravação sobre ser um espaço seguro. Ele tinha medo de que algo acontecesse e a filha ficasse sozinha nas ruas. A virada vem quando Hannah assume a palavra e rebate que, sem o rádio e o carro deles, Jim e Selena não poderiam chegar até o posto. Ou seja: não há uma hierarquia de dependência. Todos ali precisam de todos e só através do coletivo terão boas chances de sobreviver. 

Os quatro partem na jornada até o posto, atravessando momentos de pura tensão em enfrentamentos com infectados e outros de calmaria, como quando encontram um mercado com as prateleiras ainda cheias ou quando dormem perto de umas ruínas em um descampado isolado de tudo. Aos poucos, Selena vai se permitindo quebrar a postura dura e gelada e viver os pequenos prazeres de estar entre pessoas que já podem se considerar amigas. O filme transita muito bem entre esses momentos e todos são efetivos ao gerar no espectador medo, angústia ou relaxamento – mais pontos para o roteiro e para a direção. 

A road trip do quarteto termina com a chegada ao posto, onde são recepcionados por alguns dos supostos militares que cuidam da paz do local. A princípio, tudo é maravilhoso. Eles têm armamentos abundantes e estão em uma mansão que garante conforto e proteção. São quase dez homens jovens, comandados por um major, tentando manter ali algum tipo de sociedade civilizada. Não é preciso ser muito atento para entender que a chegada de duas mulheres funciona como uma bomba-relógio. 

Aqui, o roteiro de Garland nos entrega outro clichê do gênero, que balanceia a experiência prévia de Jim e Selena: em um mundo dominado por mortos-vivos, os vivos podem ser a maior ameaça. 

O Major revela para Jim que lançou a transmissão que Frank e Hannah ouviram, pois havia prometido aos soldados que levaria mulheres até a mansão – uma promessa que envolve não só o prazer do ato sexual em si, mas também uma possibilidade de futuro para a tal sociedade que eles estavam tentando manter viva em meio ao fim do mundo. Dentre todos os homens da casa, só um se coloca contra o abuso das mulheres. Ele é morto na cena seguinte. E assim chegamos no ápice da narrativa, que nos leva a um conflito final tenso e sangrento, que termina com todos os militares mortos e o grupo de Jim conseguindo fugir. No meio disso tudo, Jim ouve um dos homens dizer que o surto do vírus estava contido na ilha do Reino Unido e que o resto do mundo seguia com suas vidas normais. 

Uma segunda elipse temporal de 28 dias nos mostra o grupo sobrevivendo em paz em uma casa de campo e conseguindo enviar um pedido de ajuda para um avião que passa rente ao solo. Nossos protagonistas estão salvos? Queremos acreditar que sim, mas o corte para os créditos deixa dúvidas no ar. De onde vêm o avião? Eles têm interesse em resgatar aquelas pessoas? Há alguma medida de segurança que impede o resgate? Em junho de 2025, a maior dica que temos do futuro é o trailer do próximo filme da série, Extermínio: A Evolução (ou 28 Anos Depois, no original), que nos indica que não, nem tudo deu certo e anos depois a infecção ainda corre solta, pelo menos na ilha do Reino Unido. 

Não é à toa que Extermínio se tornou um filme clássico e foi responsável por ressuscitar (a ironia no uso do termo é proposital) um subgênero do terror. O filme consegue passar por diversos temas, como o luto pelos que se foram e por tudo que se perdeu, a luta pela sobrevivência, sobreviver versus viver, coletividade versus individualidade e sexismo, enquanto gera tensão com as cenas aterrorizantes e alívio com as mais calmas. Vale destacar também os trabalhos muito decentes de fotografia (que faz milagres com a iluminação considerando a qualidade da câmera), montagem e trilha sonora, que ajudam a compor uma obra coesa e bem sucedida. 

Depois do final que deixa algumas pontas soltas, nos resta esperar (agora só mais um pouquinho, risos) para descobrir em que estado estará a situação do Reino Unido e do mundo quase três décadas depois do início da infecção – e se Boyle e Garland conseguirão entregar outro trabalho sólido, como fizeram em 2002. 

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