Crítica | Homem Com H

Homem Com H (Brasil, 2025)
Título Original: Homem Com H
Direção: Esmir Filho
Roteiro: Esmir Filho
Elenco principal: Jesuíta Barbosa, Caroline Abras, Rômulo Braga, André Dale, Hermila Guedes, Jullio Reis, Mauro Soares e Ney Matogrosso
Duração: 129 minutos
Distribuição brasileira: Paris Filmes

As cinebiografias de astros musicais se tornaram um subgênero tão constante em Hollywood que não tardou para acumularem seus próprios clichês, fãs e, claro, críticas quanto a alguns aspectos comuns em filmes do tipo. Dessa forma, mesmo se tornando um formato bastante rentável, os anúncios de obras voltadas para contar a vida de astros surgem carregadas de dúvidas por parte do público, principalmente pelas legiões de fãs que querem ver filmes bons o suficiente para honrar o legado de seus ídolos. E é claro que não demorou para que o cinema brasileiro “importasse” a fórmula, não sem trazer também o tradicional receio do público. Nesse caso, aqueles que acompanharam a vida e carreira de Ney Matogrosso, cantor que tem sua trajetória retratada em Homem com H.


O longa de Esmir Filho, afinal, aparenta merecer esse tal receio quando olhamos para um dos problemas comuns das cinebiografias recentes: uma intenção nobre, porém complexa, de abarcar toda a vida de um artista em uma única produção que, convenhamos, é um tanto proibitiva para essa tarefa. Como encaixar em apenas duas horas tanto a ser contado? Como dar conta dos conflitos do artista dentro e fora dos palcos, trabalhar os desafios enfrentados e os anos antes do eventual grande sucesso? E mais, como retratar isso de maneira a trazer a necessária dramaticidade para que o filme possa ser emocionalmente envolvente?


Talvez o grande acerto de Esmir Filho não seja necessariamente fugir das fórmulas de sucesso, mas acrescentar ritmo a ela. É até notável como o diretor flerta com algumas armadilhas das cinebiografias ao tentar trazer muita coisa de uma vez – como durante toda a sequência envolvendo Cazuza (Jullio Reis), que é ótima e importante para tocar em tópicos como a cena gay da época e como isso foi associado com a aids, embora soe meio deslocada do restante da narrativa –, mas ao mesmo tempo demonstra um controle sobre como contar sua história. O diretor tem em mente que não basta jogar as músicas marcantes de Ney no decorrer do filme, por exemplo, mas trazê-las com um propósito, e assim opta por uma lógica rítmica para os diversos eventos explorados na narrativa. Basicamente, mostrando uma passagem marcante da vida do cantor e em seguida pontuando isso com uma música que seja não apenas icônica, mas que traga ao momento um aspecto de fechamento, como se amarrando aquela sequência antes de partir para a próxima.


Ao sobrepor as canções aos eventos pessoas da vida de Ney como se fossem um tipo de causa e consequência de sua trajetória – as músicas soam como a resposta do artista para o que acontece em sua vida privada –, Esmir Filho encontra um fio-condutor eficiente para driblar o problema de não ter um recorte mais definido para o filme. Da mesma forma, não é como se quisesse apenas pontuar certas passagens – uma cena para definir a relação de Ney com o pai, outra com a mãe, outra com Cazuza, outra com o exército, etc – sem considerar a curva dramática necessária. O que o diretor faz, de certa maneira, é criar um mosaico com as facetas de Ney que, conforme são inseridas e sobrepostas, vão formando a imagem desse artista que todos conhecemos. E embora as músicas sejam uma parte muito importante disso, quando vemos o quadro todo, notamos como elas ainda são apenas uma parte.


Tudo isso se encontra em uma excelente montagem que traz uma fluidez necessária para que a obra consiga representar a passagem do tempo sem se tornar completamente episódica ou até cansativa. Ao mesmo tempo, também oferece ao longa a chance de ousar em determinados momentos, principalmente os que envolvem as apresentações musicais, desde quando ainda fazia parte do trio Secos & Molhados até sua explosão enquanto artista solo. Assim, sequências como as de O Vira ou da canção que dá título ao filme, Homem com H, se revelam um show à parte, principalmente pela presença de Jesuíta Barbosa que se torna um invólucro de tudo que Ney Matogrosso carrega consigo, como capturasse em si próprio toda a essência do cantor para em seguida devolvê-la de forma intensa ao filme. É uma entrega que não é apenas marcante, mas que se torna um pilar para tudo que a obra traz e sem a qual a obra não seria capaz de se sustentar.


É impressionante notar como Homem com H consegue fazer tanto sem se perder no meio do caminho, sendo também uma boa adição para uma leva de cinebiografias pouco inspiradas. Esmir Filho dirige com paixão que transparece nos detalhes, sem deixar de emocionar com momentos mais intimistas, mas também sem abrir mão da grandiosidade que define Ney Matogrosso. Isso resulta em um filme que se torna tão fascinante quanto a figura que retrata e, definitivamente, irá reforçar o legado do cantor e sua presença praticamente atemporal no imaginário brasileiro. Afinal, é certamente um filme que irá encantar ao público, desde os fãs fervorosos até aqueles que apenas conhecem Ney como o homem que “vira, vira, vira homem, vira, vira… Vira, vira lobisomem”.

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