O Grande Golpe do Leste (Alemanha, 2024)
Título Original: Zwei zu eins
Direção: Natja Brunckhorst
Roteiro: Natja Brunckhorst
Elenco: Sandra Hüller, Max Riemelt, Ronald Zehrfeld, Ursula Werner, Peter Kurth, Martin Brambach
Duração: 116 minutos
Distribuição: Synapse Distribution
Sandra Hüller volta às telonas com comédia comunista baseada em roubo real nunca solucionado
Assim que terminei de assistir a O Grande Golpe do Leste, fiquei com a ideia de que o longa era um heist film, conhecidos em português como filmes de assalto. Esses filmes são aqueles em que a narrativa acompanha um elaborado plano para a execução de um roubo em larga escala, mesclando ação e suspense com algumas pitadas de comédia.

Você deve conhecer alguns exemplares desse subgênero, como Onze Homens e um Segredo, Fogo Contra Fogo, Truque de Mestre ou Em Ritmo de Fuga. Contudo, diferente desses que citei, O Grande Golpe do Leste não é dominado por cenas de perseguição meticulosas ou por uma atmosfera de tensão entre os parceiros de crime. Aqui, o que se destaca é a comédia familiar — e talvez seja isso que torne o longa alemão diferente dos demais, conferindo-lhe um toque bem-humorado que conquista o espectador.
Para contar essa história, a diretora Natja Brunckhorst se inspirou em um caso real ocorrido na década de 1990, logo após a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha Oriental com a Ocidental. Um grupo de pessoas encontrou uma fortuna esquecida em um túnel e se organizou para trocá-la por moedas válidas do lado ocidental do país. Em um golpe arriscado, enriqueceram com o dinheiro próximo ao prazo-limite de validade, às custas do Estado. O mais curioso dessa história? Nenhum dos responsáveis jamais foi pego pelas autoridades.
O anonimato dos autores de uma façanha tão perspicaz deu asas à criatividade de Brunckhorst, que criou rostos e nomes para esses trapaceiros na forma de uma família composta por Maren (Sandra Hüller), Robert (Max Riemelt) e Volker (Ronald Zehrfeld). Os três encontram um bunker lotado de dinheiro e, como bons comunistas que são, logo compartilham a bufunfa com toda a vizinhança, tornando todos cúmplices desse assalto quase inofensivo.
O interessante em O Grande Golpe do Leste é que, embora sua premissa remeta às convenções de um heist film, o longa se recusa a seguir os padrões narrativos e técnicos do gênero. A fotografia vívida de Martin Langer escapa do olhar puído e lúgubre com que os países soviéticos costumam ser retratados no cinema, especialmente nesse contexto histórico do fim da Guerra Fria. É um país à beira do colapso econômico, mas ainda assim colorido, com vizinhos fazendo reuniões ao ar livre e crianças correndo na grama.
Além de dirigir, Natja Brunckhorst também assina o roteiro. Seu controle criativo sobre a obra traz harmonia ao tom cômico com o qual ela deseja contar esse causo. Os diálogos são despretensiosos e tangenciam o drama familiar na medida certa, sem se levar a sério demais, permitindo que o filme funcione como uma comédia leve e fluida. Como um amigo crítico meu disse: “é uma bela Sessão da Tarde”.
E como é satisfatório rever Sandra Hüller no cinema. A atriz teve destaque em 2023 com papéis complexos em Zona de Interesse e Anatomia de uma Queda, este último pelo qual recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Em O Grande Golpe do Leste, ela aparece sorridente, travessa e, como sempre, elegante em sua performance. O triângulo amoroso que forma com Robert e Volker traz equilíbrio à trama, especialmente na cena final, em que os três surgem com figurinos em cores harmoniosas.
Os sorrisos que a trama consegue arrancar do público, sem grande esforço, também são um ponto alto. Em certo sentido, o longa me lembra Pequena Miss Sunshine, principalmente na cena em que eles entram na kombi amarela e branca. Quase me diverte tanto quanto outro heist film com espírito de Sessão da Tarde: Loucas por Amor, Viciadas em Dinheiro, com a ótima combinação de Diane Keaton, Queen Latifah e Katie Holmes como trio de protagonistas.
O Grande Golpe do Leste tem, sim, um certo caráter político. A frase de encerramento — “dinheiro é liberdade impressa”, da qual me esqueci de anotar o autor — reforça essa dimensão. No entanto, é na comédia que o filme realmente transforma a experiência do público em algo prazeroso. Não é uma daquelas grandes e elaboradas obras sobre crime, mas é um crime curioso — e isso basta para despertar nosso