Superman: O Retorno (Estados Unidos, 2006)
Título Original: Superman Returns
Direção: Bryan Singer
Roteiro: Michael Dougherty e Dan Harris
Elenco principal: Brandon Routh, Kevin Spacey, Kate Bosworth, James Marsden, Parker Posey, Frank Langella, Sam Huntington, Eva Marie Saint e Marlon Brando
Duração: 154 minutos
Disponível em: HBO Max
De volta após anos de silêncio e exílio, Superman: O Retorno parte de uma ideia simples e profundamente melancólica: talvez o mundo tenha seguido em frente sem precisar mais do Superman. E é nesse hiato, nessa ausência, que Bryan Singer constrói um filme que se propõe menos como uma sequência e mais como um eco da mitologia clássica, do cinema de Donner, e do próprio personagem.

É um longa que carrega em cada quadro a reverência. Desde os créditos iniciais em 3D replicando a abertura de 1978 até o retorno solene do herói à Terra, há uma insistência quase ritual na iconografia, como se cada plano estivesse em dívida com uma memória afetiva anterior. Mas há um detalhe que o torna algo mais: mesmo preso a um formalismo estético claro, Singer insere ali uma inquietação, uma tentativa de coexistência entre o clássico e o moderno. Isso está na textura das imagens, no contraste entre os cenários artesanais e os céus digitais, no uso do CGI que nunca abandona o espírito de maquete. Um filme de 2006 que insiste em parecer datado, e que encontra nisso sua força.
A encenação aqui é meticulosamente coreografada. O olhar de Singer não se apressa: movimentos de câmera lentos, composições simétricas, personagens encurralados por grades, reflexos, sombras. Há algo de operístico no modo como a mise-en-scène se articula, como se o filme estivesse eternamente à beira de uma tragédia grega sobre solidão, legado e pertencimento. Essa abordagem encontra seu ápice em momentos como o voo silencioso de Superman em direção ao sol, ou quando ele se sacrifica para erguer um continente inteiro. São passagens que lidam com o espiritual, com o mito, com o peso de ser um símbolo.
Ao contrário do revisionismo niilista e estético de Zack Snyder, que constrói seu Superman a partir da iconografia e da dor, Singer parte do personagem para chegar à imagem. Não há aqui um desejo de reinvenção, mas de reencontro. O Superman de Brandon Routh é quase imóvel, um fantasma, uma figura museológica. E talvez esse seja o maior acerto (e erro) do filme: sua leitura do herói como algo inalcançável, quase inumano, resulta em uma performance estéril, sem calor, sem nuance. Ao lado dele, Kate Bosworth sofre do mesmo mal: sua Lois Lane é distante, apática, sem aquele brilho inquieto que a personagem pede.
É nos coadjuvantes que o filme encontra carne. Kevin Spacey e Parker Posey entregam personagens maiores que a vida, ruidosos, quase cartunescos. Eles quebram a solenidade com um humor que soa intencionalmente deslocado, quase grotesco, mas necessário. São as fagulhas de humanidade que Singer parece deliberadamente suprimir dos protagonistas. O filme é, nesse sentido, uma obra de contrastes entre passado e presente, entre figura e pessoa, entre mito e humanidade.
A melancolia não é apenas temática; ela está entranhada no ritmo, no tom, na sensação de que o próprio filme não acredita que haverá um futuro para aquilo que está narrando. A frase “o pai se torna o filho” reverbera como epitáfio, uma aceitação resignada de que talvez o tempo do Superman tenha passado, mas que ele ainda precisa tentar encontrar um lugar num mundo que mudou sem ele.
Superman: O Retorno é um filme profundamente anacrônico, e por isso mesmo fascinante. Ele falha na emoção direta, mas compensa com uma sensibilidade visual rara, onde cada escolha de cor, ângulo e silêncio comunica algo maior. Não é um filme que pretende agradar; é uma elegia. Um conto solitário sobre um deus órfão em busca de casa. E como toda boa elegia, carrega em si a beleza do fim.