Crítica | The Rocky Horror Picture Show

Rocky Horror Picture Show (Reino Unido, Estados Unidos, 1975)

Título Original: The Rocky Horror Picture Show
Direção: Jim Sharman
Roteiro: Richard O’Brien
Elenco principal: Tim Curry, Susan Sarandon, Barry Bostwick, Richard O’Brien, Patricia Quinn, Nell Campbell, Peter Hinwood, Meat Loaf e Charles Gray
Duração: 100 minutos (1h 40min)

Lembro muitíssimo bem da primeira vez que tive contato com The Rocky Horror Picture Show. Eu tinha uns 20 anos e era um dos aficionados pelo programa musical Glee, que tanto moldou o gosto musical de incontáveis jovens da minha geração. O seriado teve um episódio exclusivo homenageando o espetáculo da Broadway e trazendo elementos da adaptação dos anos 70 que, para um seriado voltado para o público juvenil, teve elementos suavizados. Contraditório, claro, considerando que Rocky Horror é conhecido justamente por sua proposta extrema de desafiar a imposição de limites, mas reverenciar o musical dentro de um programa de grande apelo popular foi essencial para entender, até mesmo nesse momento, o que esse relançamento do filme 50 anos depois realmente significa pro seu legado.

Ainda assumindo o posto de filme com maior tempo de exibição nas telas de cinema, afinal, ele sempre volta, volta e volta para exibições especiais onde o público se veste como os personagens e cantam suas músicas a plenos pulmões, é perfeitamente compreensível não somente o valor do filme para o(s) gênero(s) ao qual pertence, mas como a dedicação desse público fiel, mesmo meio século depois, é um reflexo natural da ode à liberdade que a trama é em seu esqueleto, falando sobre todas as possibilidades de fluidez da sexualidade, a libertação e consumação do desejo, a materialização da fantasia e o despudor em realizá-la.E considerando que vivemos num período em que o conservadorismo atingiu novos picos, este relançamento do filme nos cinemas é mais do que especial. É também um novo pedido de reflexão sobre quais limites precisamos quebrar a partir de agora.

“Don’t dream it, be it.”

Este não é só um poder que o cinema sempre teve, mas poucos gêneros também oferecem a mesma liberdade de mergulhar no fantástico absurdo quanto o musical, aquele gênero que permite que as pessoas na tela cantem e dancem ao seu bel prazer, sem desculpas ou justificativas. Rocky Horror entende esses códigos de um jeito muito peculiar, pois ao mesmo tempo que abraça o absurdo dessa proposta, ele a reformula: o filme é quase uma resposta malcriada as regras de perfeição de exemplares como Cantando na Chuva e A Noviça Rebelde com suas coreografias bem ensaiadas, personagens moralmente corretos e finais felizes… Não, não, Rocky Horror é propositalmente desengonçado, sujo, amoral, debochado, é um musical livre de amarras. É um chutar de portas sobre normas que nos permite entender o amor e devoção da comunidade LGBTQIAPN+ pelo filme.

Isso se intensifica de uma forma ainda mais radical quando o Frank-N-Furter de Tim Curry, um alienígena travesti, se faz presente em cena, talvez uma das representações queer mais emblemáticas do cinema ao lado da Divine em Pink Flamingos. A presença desse ser estranho fora da curva (apenas um dos vários) vestindo salto alto, cinta-liga, maquiagem pesada e batom vermelho exemplifica a ideia do filme em virar tudo de ponta cabeça, especialmente quando o contraponto a isto é casal virginal e republicano que só queria se casar dentro das normas e se vê diante de um espetáculo (literalmente!) de luxúria e libertação, onde o desejo, o tesão e as fantasias são os impulsos que movem cada ação, olhar e sorrisos daquelas… criaturas? Não nos preocupemos com rótulos. 

“Let’s do the time warp again!”

Nesse espírito libertino, é óbvio que o abraço ao gênero musical exigiria canções que acompanhassem o mesmo espírito rebelde do filme, e ainda é impressionante escutar músicas que falam sobre movimentos pélvicos como Time Warp, sobre se entregar aos desejos carnais em Touch-A, Touch-A, Touch Me (que prazer uma Susan Sarandon tão efusiva nesse número!) ou sobre gritar a plenos pulmões que você é um travesti que está construindo um homem do zero para satisfazer suas fantasias sexuais em Sweet Tranvestite. Era transgressor nos anos 70 e ainda é transgressor hoje, considerando que ainda vivemos numa sociedade que tem medo do sexo, do experimentar, do sentir prazer.

Daí que mesmo após 50 anos, The Rocky Horror Picture Show se mantém firme como um grande riso debochado na cara do conservadorismo, seja ele musical, audiovisual ou social. É um musical sobre vivenciar o que lhe dá prazer sem medo, sem receios, e nada tão importante quanto lembrar nossa comunidade sobre essa liberdade, que nos é tão cara e merecedora. E saber que poderemos rever tudo e tanto nas telas do cinema nesse relançamento é absolutamente especial.

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