Presença (EUA, 2024)
Título Original: Presence
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: David Koepp
Elenco principal: Lucy Liu, Chris Sullivan, Eddy Maday, Callina Liang, Julia Fox, West Mulholland, Benny Elledge e Daniel Danielson
Duração: 84 minutos
Distribuição brasileira: Warner Bros
Texto por Carol Ballan
Como uma espectadora brasileira, é sempre muito difícil assistir aos filmes de terror estadunidenses nos quais há uma dificuldade gigantesca em lidar com uma assombração ou encosto. O nosso sincretismo religioso que une desde religiões de matriz africana até o espiritismo faz com que sejamos um público difícil, que sabe que uma boa defumação ou um passe resolveria boa parte dos problemas apresentados em tela. Ainda assim, quando surge um filme com uma premissa tão interessante quanto a de Presença, há uma curiosidade natural em assistir à obra gravada sob o ponto de vista da assombração.

Desde a primeira cena, da corretora de imóveis apresentando a casa para uma nova família, já temos a câmera levemente angular e que simula a visão deste ser invisível que acompanhará toda a obra. Temos também o tom que será presente em todo o filme, de uma passividade curiosa e que tenta minimamente interagir com quem a enxerga, mas sem ousar grandes estripulias. Percebemos que inicialmente, não há nenhum risco nessa presença, mas que existe um clima de assombração.
Aos poucos vamos conhecendo um pouco mais dessa família e de seus trejeitos, desde a proteção da mãe Rebekah (Lucy Liu) com seu filho Tyler (Eddy Maday) e suas peripécias até a solidão profunda de Chloe (Callina Liang), que está passando por um luto de perder uma de suas grandes amigas. Percebemos os momentos em que os primeiros contatos entre a família e a presença acontecem, seguidos pelo medo que ela causa em alguns de seus membros.
Como esse filme mais reflexivo e com planos bastante longos e contemplativos, o filme acerta ao trazer um design de produção sofisticado e cheio de camadas, que permite que mesmo o olhar fixo em uma cena de uma garota lendo na cama possa ser apreciado quando vemos suas fotos na parede ou os cadernos na escrivaninha. O uso da locação é bem aproveitado, com a possibilidade de acompanhar os personagens perambulando pela casa e criando dinâmicas que nos imergem nessa relação familiar.
Assim, conforme a obra se desenvolve e passamos a compreender melhor as intenções da presença e quais são os reais riscos presentes na vida dessa família, percebemos que a mensagem da obra é muito diferente do filme de terror que inicialmente se imagina que será desenvolvido. Temos muito mais de um drama familiar e uma conversa sobre a falta de diálogo entre pessoas vivendo em uma mesma casa do que sustos e o medo associado ao horror. Assim, o marketing do filme acaba sendo um pouco injusto com as suas intenções – e o espectador que vai esperando sair apavorado certamente se sentirá enganado.
Não que a obra seja pior por apresentar essa visão, porque ela o faz de maneira bastante competente e imersiva, alternando expectativas e brincando com a questão do limite entre o trivial e o assombroso entre vivos e mortos. Aqui, o questionamento é se o filme chegará ao seu público, ou se simplesmente chegará ao público de terror decepcionado com a falta de jump scares e sanguinolência. Isso diz muito mais sobre a aura criada ao redor da obra do que a obra em si, mas em tempos de redes sociais e burburinhos, isso acaba sendo relevante para compreender quem irá ao cinema, quais são as suas expectativas e suas possíveis decepções.
É inegável que a obra tem um final abrupto e que pensa-se muito mais em um ritmo interessante para o seu andamento do que na criação de regras claras sobre como funciona essa presença dentro da casa. Ainda assim, o filme é delicado e plasticamente belíssimo, trazendo o melhor que uma produção independente com uma locação e sem pirotecnias técnicas pode entregar aos seus espectadores.
Se é permitido dar um conselho, seria: vá assistir com o coração aberto e sem a expectativa do susto. A entrega será muito melhor se você se permitir se deixar levar pela presença e a sua aura na vida daquelas pessoas.
Texto por Jean Werneck
Baseado em experiências sobrenaturais do diretor, novo filme de Steven Soderbergh nos coloca no lugar da assombração.
Depois de comprar uma casa em Los Angeles, onde boatos dizem que uma mãe foi morta pela própria filha, Steven Soderbergh viveu algumas experiências sobrenaturais, como luzes que se apagavam sozinhas e objetos que mudavam de lugar sem explicação. Pensando que o ocorrido real renderia um filme, o consagrado diretor de Erin Brockovich e Sexo, Mentiras e Videotape lança Presença, um terror psicológico que coloca o público sob a perspectiva do fantasma.

A trama gira em torno de uma família norte-americana que se muda para uma nova casa após uma perda traumática para a caçula, Chloe (Callina Liang). Contudo, com o tempo, eles percebem que o imóvel não estava vazio e que uma entidade misteriosa habita o lar, observando cada passo deles. Aos poucos, essa presença revela suas intenções e tenta se conectar com os moradores para alertá-los de que seus conflitos mal resolvidos são a verdadeira assombração em suas vidas.
O aspecto mais original da direção de Soderbergh em Presença é também o que o torna mais limitante: contar a história por meio do olhar da força sobrenatural que assombra os personagens. Desde a primeira cena, vemos a chegada de Chloe e sua família a partir de uma câmera subjetiva, ou seja, uma tomada em primeira pessoa. Essa escolha técnica faz com que nos tornemos cúmplices do ser intangível imediatamente, questionando suas motivações e propósito ao vagar pelos cômodos.
Perguntas como “seria a presença a melhor amiga morta da protagonista?” ou “por que a entidade não pode sair da casa e se esconde dentro do armário quando ameaçada?” sustentam o suspense, mas só até certo ponto. A postura passiva e esquiva da entidade acaba tornando a tensão inofensiva e a experiência do espectador um tanto apática. É interessante termos o ponto de vista daquele que costuma ser o antagonista nos filmes de terror, mas essa escolha também descaracteriza o gênero. Presença é o típico caso do filme de terror que não dá medo.
Na sessão em que assisti ao filme — uma experiência coletiva bem desagradável, com uma audiência falante e desatenta —, as pessoas com certeza se sentiram mais descontraídas do que aflitas, chegando até a dar gargalhadas em alguns trechos. Após a insossa reviravolta do desfecho, escutei alguém comentar: “Não sei como me sinto sobre isso.” E, de fato, não há como saber o que sentir quando a obra não te provoca nada.
O longa é gravado em planos-sequência interrompidos por cortes abruptos entre uma cena e outra, simbolizando a confusão temporal e espacial sentida pela entidade, mas quebrando a fluidez da narrativa. Essa tentativa ousada da direção de dar mais autenticidade a um enredo simples acaba exigindo diálogos expositivos entre os personagens para explicar seus conflitos e fazer a trama avançar. Em vez de entendermos o contexto das cenas pela construção imagética do cinema, o compreendemos pela verborragia das falas.
Ainda assim, a discussão mais eloquente deixada por Presença está na abordagem dos abusos e traumas sexuais sofridos por adolescentes, mesmo sob a tutela dos pais. A família em questão é a mais comum possível: uma mãe sempre ocupada com o trabalho para pagar a casa nova, um pai que esconde segredos e filhos que planejam festas na ausência dos responsáveis. Debaixo do mesmo teto, surgem divergências entre os pais sobre como lidar com a vulnerabilidade da filha, enquanto o filho mais velho — promissor aos olhos da mãe — revela falhas de caráter alarmantes.
No fim, os espelhos velhos e embaçados são a única parte deteriorada da impecável casa de dois andares. Eles refletem uma imagem distorcida e assombrosa de um lar onde os problemas foram apenas empurrados para debaixo do tapete. Como o próprio filme sugere, talvez os fantasmas mais assustadores sejam aqueles que convivem conosco todos os dias.