Longlegs: Vínculo Mortal (EUA e Canadá, 2024)
Título Original: Longlegs
Direção: Osgood Perkins
Roteiro: Osgood Perkins
Elenco principal: Maika Monroe, Nicolas Cage, Blair Underwood, Alicia Witt, Michelle Choi-Lee, Dakota Daulby e Lauren Acala
Distribuição brasileira: Diamond Films
Duração: 101 minutos
Voltando a um cenário noventista, Longlegs: Vínculo Mortal recria o clima de clássicos como Zodíaco e O Silêncio dos Inocentes para aprofundar na análise do clima de perseguição policial atrás de um matador serial. Rapidamente conhecemos a policial Lee Harker (Maika Monroe) e junto a ela ingressamos na caçada ao Longlegs (Nicolas Cage), um homem que está fazendo com que famílias completas morram dentro de casa em cenários que parecem homicídios seguidos de suicídio.

A construção de um determinado clima para o filme é definitivamente seu ponto alto. Com uma direção de arte que consegue recriar os elementos marcantes do final dos anos 1990 e manter pequenos acenos visuais aos motivos dos assassinatos sem pular etapas e entregar toda a resolução da obra, como se percebe bastante nos filmes de terror recentes, ele consegue contar sua história de maneira potente sem ser extremamente gráfica. Ainda assim, há uma forte narrativa que carrega o longa-metragem e uma dose correta de violência que permite que os acontecimentos tenham peso e relevância.
A principal construção da obra se dá em relação ao momento da história estadunidense chamado de pânico satânico, um pânico moral generalizado e reforçado pela existência de cultos como o de Charles Manson, que se colocavam como tal. Brincando com a barreira entre os gêneros do horror e do thriller policial, por conta da busca do responsável pelos acontecimentos, gera-se uma narrativa nova que acena claramente para as mais clássicas, mas com esse quê moderno. Soluções que em um primeiro momento parecem apenas fáceis acabam se demonstrando mais profundas do que o imaginado, e isso permite que o filme permaneça mais tempo na memória de quem o assiste.
Mas ao mesmo tempo, a obra é prejudicada pelo marketing realizado em cima dela. De mensagens codificadas escritas em banners a um site falso criado para a obra, inicialmente se acredita que o filme envolverá muito mais investigação policial do que realmente acontece, principalmente por conta de uma certa clarividência de Lee. Ao invés de acompanharmos os momentos em que ela decodifica e investiga por si própria, temos apenas explicações externas e os seus sentimentos. Ainda que estes sejam adequadamente demonstrados em tela, conflitam com o imaginário construído, ainda mais em uma época no qual o gênero de crime real está em alta e a criminologia é tão utilizada no audiovisual. A subversão de expectativas pode ser muito bem-vinda, mas as pessoas que a propaganda leva ao cinema muito provavelmente não são a demografia de quem realmente vai gostar do filme.
Ainda quando observamos pelo viés do horror sobrenatural, o filme entra em um ciclo vicioso de se explicar demais, precisando colocar todos os pormenores de um modus operandi que não é tão difícil assim de se compreender. Assim, quando Longlegs (Nicolas Cage) entra em cena, por mais que sua atuação seja particularmente arrepiante, não temos tempo de pensar em seus pormenores, porque o filme se sente na obrigação de explicar tudo.
Caindo em algumas armadilhas que o filme pensa colocar para o espectador, ele acaba perdendo parte dessa climatização e plano de fundo tão potentes colocados na sua primeira metade. Sim, ele ainda é arrepiante e pode ser colocado como uma ótima interpretação de um assunto já muito batido. Mas falta esse espaço para que o espectador entre na sua própria jornada com o que está em tela, o que o tornaria imediatamente muito mais perturbador.
Zé (Brasil, 2024)
Título Original: Zé
Direção: Rafael Conde
Roteiro: Anna Flávia Dias Sales e Rafael Conde
Elenco principal: Caio Horowic, Eduarda Fernandes, Samantha Jones, Rafael Protzner, Yara de Novaes e Gustavo Werneck
Distribuição brasileira: Embaúba Filmes
Duração: 120 minutos
Em mais um lançamento brasileiro baseado em memórias da ditadura, acompanhamos o líder estudantil Zé enquanto ele passa anos na clandestinidade fazendo trabalho de base de conscientização da população mais pobre. Baseado na vida de José Carlos Novaes da Mata Machado, este talvez seja o mais impactante dos filmes sobre o período lançados este ano.

A razão do sucesso ao contar uma história poderosa se dá principalmente por conta de ótimas decisões estilísticas do diretor Rafael Conde para lidar com o material que tinha em mãos. Ao tratar de uma história real, é delicada a escolha de como retratar a pessoa de maneira respeitosa à sua memória e à sua família. E tendo como material apenas os relatos sobre o ocorrido e as cartas trocadas com a família, o que Conde realiza é tão surpreendente quanto emocionante.
Nos primeiros momentos, o público não consegue compreender o cenário completo da clandestinidade, com as informações sendo dadas aos poucos e de maneira orgânica. Muitas situações são mais mostradas do que faladas, o que traz uma camada extra ao conteúdo audiovisual. E assim, aos poucos, vamos conhecendo essa figura filha de pais de classe média que acredita na sua luta e que está disposta a chegar às últimas consequências por ela. Como ele não tem uma estrutura de jornada, com altos e baixos claros, mas sim acontecimentos difusos, a utilização de cortes diretos para situações que acontecem em momentos diferentes funciona muito bem, deixando clara a ideia de que essa é uma história pouco documentada, com muitos momentos não mostrados. Usa-se bastante o que está acontecendo no extra-campo para a estrutura narrativa, e isso por vezes ajuda a obra, mantendo o foco sob aquele ponto de vista mostrado, e às vezes atrapalha, como quando momentos de tensão são fragmentados por não vermos os acontecimentos. Ao mesmo tempo, a construção de algumas cenas, como a que sua jovem companheira tenta militar em uma fábrica onde não consegue ser ouvida, cria essas imagens que persistem no espectador ao final da sessão.
As boas atuações duram por toda a obra, mesmo em momentos em que o roteiro parece confuso em relação aos acontecimentos, ou o explícito acaba dando lugar ao implícito em falas que narram atitudes ou acontecimentos. Ainda assim, há ótimos momentos, como quando as cartas trocadas entre pai e filho são lidas diretamente para a câmera, variando um pouco a linguagem.
Novamente, ainda há todo um universo de filmes brasileiros sobre o período que funcionam bem e que conseguem gerar um impacto muito maior em seus espectadores. Ainda assim, com essas produções mais contidas é possível abrir um leque de representatividades e dar voz a histórias que poderiam ser esquecidas. Talvez o resultado não seja sublime, mas ainda está longe de ser medíocre.