É Tudo Verdade -Lançamentos de 07/04

Belchior – Apenas um coração selvagem

A tradição brasileira de produzir ótimos documentários sobre sua própria música vem se mantendo viva nos últimos anos, revisitando seus artistas e festivais. Agora foi a vez de Belchior ganhar uma retrospectiva de sua vida, o que ocorreu em excelente momento dada a popularização de Sujeito de Sorte após o uso do sample em Amarelo, do Emicida.

Ao realizar uma espécie de retrospectiva da vida do cantor, os diretores Camilo Cavalcanti e Natália Dias fazem um excelente trabalho de criar o seu auto retrato, uma vez que todas as falas utilizadas são de Belchior falando sobre si mesmo – e raramente interpretadas pelo genial Silvero Pereira. Se isso requer em primeiro lugar um grande trabalho de seleção de imagens e montagem, também há uma grande sensibilidade que faz os espectadores mergulharem na cabeça do pensador e compreender a seus raciocínios.

Muitos dos temas mais importantes da vida do cantor e compositor são tratados, como a importância de trazer sua origem nordestina para sua sonoridade, sua posição midiática como símbolo sexual e seu bom humor. E exatamente pela escolha de utilizar as suas palavras que se tem uma visão intimista e clara de qual era seu pensamento sobre os assuntos. Entretanto, isso gera uma pequena confusão sobre seus anos finais, nos quais ele não estava mais sob holofote da mídia e foi dado como desaparecido na mídia, com direito a entrevista especial para o Fantástico.

Um dos pontos que se destaca na obra é sua montagem inicial, que mistura imagens de arquivo e falas, simulando um mergulho na cabeça de Belchior. A passagem para a estrada interiorana e sua primeira entrevista bem-humorada na qual conta sobre a infância e lembranças de crescer no Nordeste é realizada de forma suave e gera o efeito de submersão.

O resultado final é uma autobiografia póstuma muito respeitosa com a imagem pública de um dos maiores nomes da música brasileira, que funciona tanto para gerações que o conhecem até as mais jovens, que talvez só conheçam os ecos de sua música. Excelente para descobrir e redescobrir suas músicas e seu pensamento tão latino e moderno.

Tantura

AVISO: Este filme contém muitos gatilhos emocionais e temas sensíveis.

Com a proposta de ser um documentário que investiga o ocorrido em Tantura em 1948, dada a contestação da pesquisa de Teddy Katz que indicava um crime de guerra do recém-fundado Estado de Israel em relação aos árabes que ali viviam, o filme que leva o mesmo nome da região acaba englobando uma narrativa muito mais ampla, que discute o próprio conceito de verdade. Considerando as crescentes conversas sobre a importância de fake news em corridas políticas e a onda da extrema direita brasileira que insiste em negar os crimes ocorridos durante a ditadura, apesar de muito incômodo, ele se torna uma obra genial.

O documentário não subestima a capacidade de compreensão de seus espectadores, e apesar de haver certa confusão inicial sobre as entrevistas que estão sendo mostradas, aos poucos ele revela os fatos e permite que as conexões sejam realizadas. O ritmo criado só é possível por conta de uma boa montagem entre os elementos principais utilizados como fontes: as entrevistas atuais feitas com sobreviventes do ocorrido e Teddy Katz, e as fitas de gravação do mesmo que foram utilizadas como base de sua pesquisa que foi rejeitada. Através dessas falas, cria-se a discussão sobre como fatos históricos são construídos.

É importante dizer (sem dar spoilers) que o assunto de extermínio de população e violência contra a mulher são abordados ao longo da narrativa de maneira bastante direta, podendo ser um gatilho emocional fortíssimo. Apesar dessa franqueza sobre o assunto, a direção de Alon Schwarz é sensível em explicar a situação de maneira mais ampla.

Apesar de extremamente incômodo de assistir, o longa-metragem é pertinente e assustadoramente atual, dado que os fatos ocorreram no final da II Guerra Mundial. Ele funciona como um alerta para não repetirmos o passado.

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