Blackberry (Matthew Johnson, 2023)
Texto por: Jean Werneck
Em mais um filme de propaganda dos microempreendedores, Hollywood começa a saturar o assunto no novo longa da Diamond Films.
Blackberry é a startup de tecnologia que criou o primeiro smartphone do mundo e dá nome ao longa que conta a história dessa empresa. Matt Johnson, diretor e integrante do elenco, pega carona na onda recente de filmes hollywoodianos que contam a trajetória de entidades capitalistas quase heróicas que deram de tudo para maximizar seu lucro e revolucionar o mercado. Filmes como Air – A História por Trás do Logo e Dinheiro Fácil ou séries como WeCrashed e Super Pumped – A Batalha pela Uber compõem esse movimento .

O problema não está em contar as histórias de microempreendedores que tiveram uma trajetória complicada e um sucesso monstruoso, mas em retratá-la da mesma maneira em diferentes obras. Seguimos uma personalidade central genial e problemática que vive o famigerado sonho americano de um dia para o outro e em seu desfecho acaba ou desiludido ou considerado um mito por seus feitos. Esse é o roteiro básico de BlackBerry (ou qualquer um dos outros exemplos citados acima). Claro, o filme opta por um estilo interessante. A câmera documental e expressiva que brinca com as percepções do espectador por meio dos diálogos fugazes ou a fotografia e edição de som que direcionam o foco do protagonista de modo estimulante e enlouquecedor. Contudo, apesar de dar uma boa forma à produção, essas características não tornam o conteúdo mais autoral em si.
Além disso, BlackBerry tem um desfecho estancado que não finaliza bem a análise ética dos erros cometidos por seus personagens durante o percurso. O longa parece justificar a impunidade da fortuna duvidosa construída pela empresa com os avanços tecnológicos proporcionados por ela. Ademais, ainda soa como uma reafirmação da masculinidade tóxica em alguns momentos. Um filme dirigido por um homem branco americano com totalidade de homens brancos no elenco e uma competição sobre quem cria algo maior e melhor. A representação social aqui é bem limitada e pouco consciente.
BlackBerry tem a sagacidade técnica de A Grande Aposta e o humor geek de Jogador N1 e vai ganhar a atenção do público por isso, mas também irá perder por seus problemas estruturais de identidade genérica entre os filmes produzidos em Hollywood.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Diamond Films. Verifique a programação na sua cidade.
Meu Nome é Gal (Dandara Ferreira e Lô Politi, 2023)
Texto por: Carol Ballan
Quando pensamos nas experiências cinematográficas brasileiras com cinebiografias e documentários musicais, percebe-se que temos uma qualidade altíssima de produção. Logo, um drama que tratasse de uma das maiores cantoras do Brasil e recentemente falecida é uma enorme responsabilidade. É muito bom que ele tenha sido tratado como tal, trazendo uma obra ao mesmo tempo respeitosa e emocionante.

O primeiro acerto da obra é ter um recorte de tempo específico. Desde sua chegada no Rio de Janeiro até 1971 com Fa-Tal, é abordado o início de sua carreira e inclusão como uma das poucas mulheres na Tropicália brasileira em um país com uma ditadura cada vez mais repressora. Pensando na questão histórica, além de um figurino e cenografia de época impressionantes, há o uso de imagens de arquivo em meio à edição, trazendo um elemento que cria o link com a realidade e também serve para documentar a realidade do momento.
O roteiro e direção feitos pela dupla de diretoras e que foi acompanhado de perto por Gal é inteligente para mostrar o amadurecimento de uma garota para uma mulher que se empodera de seu feminino. Além da questão da independência da mãe para festas regadas a drogas e sexo sem compromisso, percebe-se uma importância alta dada ao seu direito de ir e vir, que encontra duas figuras de autoridade limitadoras que dão o fio de raciocínio do longa: a própria mãe, quando retorna, e a ditadura militar que impede o trabalho dos artistas.
A fotografia do filme também é um elemento que ajuda a contar a história, principalmente com a proximidade em que filma os personagens. Além de cenas mais abertas que dão o contexto da cidade ou de um lugar específico, ele é um filme de muitos planos fechados. Colocando a intimidade da cantora como algo muito importante de proteger em sua carreira, é através dessa proximidade física que conseguimos nos aproximar da figura pública.
Isso tudo seria completamente arruinado se não fosse acompanhado de excelentes atuações. Apesar da pouca fé dada a Sophie Charlotte, ela é excelente no papel, conseguindo transmitir mais a força da personagem do que tentando fazer uma imitação direta do que quer mostrar. Isso é acompanhado por um Rodrigo Lelis que quase assusta com a proximidade ao Caetano Veloso que ficou conhecido, do tom de voz até o afeto interminável com todos ao seu redor. Dan Ferreira atua como Gilberto Gil, que apesar de ter um papel menos protagonista, traz uma das cenas mais bonitas do filme, quando vai cuidar da amiga em um período depressivo.
Há então as outras personagens femininas que são muito importantes para a narrativa. A diretora Dandara Ferreira traz uma Maria Bethânia afastada, que tem uma relação difícil com a protagonista. Há uma pequena homenagem a Rita Lee, a outra mulher da Tropicália, mas que não esteve nos mesmos espaços que Gal, feita por Caroline Andrade. Mas é com a terceira e menos conhecida irmã Veloso, Dedé, interpretada por Camila Márdila, que o encontro entre femininos e a relação que dá a base de confiança de Gal se forma. É ótimo que este seja um nome lembrado para as gerações mais jovens e que não conhecem tão bem a história da música nesse momento do país.
Meu Nome é Gal é um filme que emociona, encanta e transporta o seu público para um momento impossível de se voltar no tempo. Agrada o público que já se interessa por Gal, mas a apresenta para um novo de maneira dinâmica e intimista. Enfim, homenageia esta que é uma das grandes vozes do país.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Paris Filmes. Verifique a programação na sua cidade.
O Exorcista: O Devoto (David Gordon Green, 2023)
AVISO: Esta crítica contém spoilers.
Texto por: Carol Ballan
Os filmes de terror possuem um longo histórico de sequências ou reboots, geralmente com um grau de sucesso baixo. Há as exceções que levam grandes grupos para os cinemas e até sequências como Jogos Mortais X (Kevin Greutert, 2023) que criam novas nuances a uma série saturada. Mas a chegada da trilogia anunciada pela produtora Blumhouse como sequência a O Exorcista (William Friedkin, 1973) foi premeditada como um possível fracasso, dada a importância do filme original e a mudança de status da relação da população com a Igreja Católica e seus rituais de exorcismo.

Mesmo assim, o filme foi realizado e com a direção de David Gordon Green, já conhecido pelo fracasso das sequências da série Halloween. Seria feliz que o resultado fosse surpreendente, mas infelizmente a maioria das surpresas que o espectador tem ao assistir o filme são negativas.
Na obra, a relação entre mãe e filha do original é transportada para a relação entre o pai Victor (Leslie Odom Jr.) e a filha Angela (Lidya Jewett). A mãe de Angela morreu em um terremoto no Haiti enquanto ainda estava grávida, o que é mostrado nas primeiras cenas do longa-metragem. Então, a filha em busca de uma conexão com a mãe busca um rito de invocação com ajuda da colega de escola Katherine (Olivia O’Neil), e elas desaparecem por alguns dias e voltam extremamente mudadas, e sem noção da passagem de tempo.
Principalmente nesta primeira parte da obra, há cenas interessantes principalmente por uma boa direção de fotografia e edição, com cenas sendo conectadas de maneira inteligente. Ao mesmo tempo, há muita dificuldade em criar um bom momento para assustar com jump scares, com uma obviedade de quando isso será feito que prepara excessivamente quem assiste. Já de início há uma relação estranha com a religiosidade, com um ritual de benção ao bebê Ângela sem uma definição de religião de matriz africana que parece excessivamente caricata. Há uma visão de certo exotismo e misticismo brancos e conservadores.
A relação entre pai e filha é bem pensada, com cenas iniciais sendo suficientes para transmitir a relação de confiança entre os dois que será muito importante no final da trama. O mesmo acontece com a criação da contraposição das famílias, sendo uma a clássica WASP (branca, anglo-saxão e protestante) e a outra menos tradicional e negra. A primeira metade parece realmente descolada do desenrolar do resto do filme, com um desenvolver de filme de horror clássico, ainda que sem muito estilo.
O problema é realmente o desenvolvimento do roteiro a partir do momento da possessão. Entre o reaparecimento sem sentido de Chris MacNeil (Ellen Burstyn), mãe de Regan no filme original, e que parece apenas um motivador para continuações deste novo filme, e a criação de cenas de possessão que conseguem não ser assustadoras, tudo prepara para o final desastroso.
É no momento do exorcismo que o filme passa a uma mensagem desastrosa. A tentativa de unir diversas religiões para poder lidar com a nova entidade é tão universalista e genérica que se compara ao desejo de paz mundial feito por misses. Ao contrário do original, que constrói personagens muito bem delineados, e coloca a fé como elemento de central importância para uma resolução, aqui há a mistura de tantos elementos que a fé de maneira mais pura se perde. Perde-se uma camada do realismo emulado pelo original que era o elemento agregador da obra, e sobra apenas o horror simplista e medianamente executado.
Em uma época em que imagens de crianças possuídas já não assustam e que a relação com a fé é muito mais complexa, o filme não dá conta de atualizar essas complexidades. Ele não acrescenta nada à discussão. Ou seja, sua existência acaba sendo invalidada pelo seu roteiro que não conversa com a obra que homenageia, sendo essa conexão sendo feita por uma personagem mal inserida na história. A oportunidade é perdida, e infelizmente acontecerá mais duas vezes – se a trilogia se consolidar mesmo com a má recepção do filme.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Universal Pictures. Verifique a programação na sua cidade.
Uma Fada Veio Me Visitar (Vivianne Jundi, 2023)
Texto por: Valeska Catherinne
O longa baseado no livro “Uma fada veio me visitar”, da escritora Thalita Rebouças que também assina o roteiro da produção, marca o retorno da eterna rainha dos baixinhos após 14 anos longe da telona. Com nomes como Tontom Périssé, Zezeh Barbosa, Dani Calabresa, Thalita Rebouças em seu elenco, o filme é cheio de encanto e nostalgia.

Na trama, Xuxa interpreta Tatu, uma fada atrapalhada que após quatro décadas congelada recebe uma missão: Ajudar Luna (Tontom Périssé) e Lara (Vitória Valentin), duas adolescentes que se odeiam, a se tornarem melhores amigas, ao mesmo tempo em que a fada tenta se adaptar às mudanças que aconteceram no mundo enquanto ela esteve fora.
A atuação de Xuxa é um acontecimento, junto dos figurinos, trilha sonora, referências e homenagens aos ícones pops dos anos 80, e isso inclui a própria Xuxa na lista de homenageados, e aqui acertaram em cheio, se o filme não emplacar com o público infantil, com certeza pegou os fãs da rainha pelo apelo emocional.
O filme carrega todos os clichês de enredos sobre adolescência e amadurecimento, não possui grandes surpresas ou acontecimentos, mas ainda sim proporciona uma experiência divertida e consegue render boas risadas.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Imagem Filmes. Verifique a programação na sua cidade.