Golda (Guy Nattiv, 2023)
Com uma performance implosiva de Helen Mirren, essa cinebiografia política leva a história para as telas de forma insossa.
Biografias de personagens históricos vêm se tornando um subgênero cada vez mais cômodo, infelizmente, Golda não é diferente. O longa se inicia com um breve resumo da conturbada história de Israel no último século e as políticas exercidas para reverter esse quadro. Dito isso, o foco em Golda Meir concentra um período delicado da Palestina e como a primeira ministra lidou com isso.

A direção do israelense Guy Nattiv parte do peso de governar uma nação em contraponto com a vulnerabilidade tácita da protagonista. Esse olhar do diretor alterna entre a guerra interna e a externa utilizando montagem com cortes abruptos, uma direção de arte organizada e poluída e uma fotografia acinzentada. No entanto, o destaque da direção passa a ser repetitivo para o público. O cigarro, objeto cenográfico que quase está mais presente Mirren na câmera (claro, Golda era patologicamente fumante, contudo seria mais inteligente investir na qualidade das cenas em que isso fosse representado, do que na quantidade), as diversas cenas na escada para o terraço, as consultas no médico, o momento de acordar: tudo isso é fotografado inúmeras vezes. Sim, eles constroem a rotina da personagem, mas passam a se tornar entediantes após a segunda vez.
Além disso, o filme carrega uma trama política bem detalhada e fidedigna. No entanto, esfria gradativamente a ponto de tornar a narrativa um tanto quanto morna. É importante acompanhar o reconhecimento de Israel como uma nação poderosa e suas estratégias de preservação do território frente à ameaça russa e egípcia, mas o roteiro mina tudo com excesso de informação e passagens de tempo que acarretam no desinteresse do telespectador. Nem mesmo a caracterização semelhante e a atuação comprometida de Helen Mirren conseguem desenvolver algo inflado frente a um longa que murcha aos poucos seus elementos cinematográficos.
Logo, Golda cai na mesmice protocolar de defender uma personalidade controversa da História com argumentos dramáticos flácidos e de pouco impacto. Abordar biografias sem uma criatividade que condense a essência de quem está sendo representado é um grande erro, pois no fim comunica menos do que uma página da Wikipédia.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Diamond Films. Verifique a programação na sua cidade.
O Porteiro (Paulo Fontenelle, 2023)
Texto escrito por Carol Ballan
Os momentos nos quais o cinema popular se encontra com um humor com bom-senso são raros, porém todas as vezes em que isso acontece, a combinação tende a ser explosiva. E O Porteiro é um filme com potencial para atingir bilheterias gigantescas como Minha Mãe é Uma Peça. Com um humor de personagem focado em um dia na vida de Waldisney (Alexandre Lino), porteiro em um bairro de classe média no Rio de Janeiro, será difícil encontrar uma plateia que não ria.

A maior parte do humor se deve a personagens bem construídos e com quem facilmente nos identificamos, somados às atuações inspiradas. Alexandro Lino viveu o personagem durante anos no teatro e fez uma extensa pesquisa com porteiros para garantir uma representação que não diferisse completamente da realidade. Daniela Fontan, irreconhecível após vê-la em Tia Virgínia, interpreta Laurizete. É uma mulher cuja linguagem de afeto é a agressão leve, casada com Waldisney e que com ele criou as três filhas. Cacau Protásio também precisa ser mencionada, interpretando Rosivalda, a faxineira do prédio que leu o horóscopo do dia que disse que ela arranjaria um novo amor. Há ainda muitas participações divertidas, como de Aline Riscado, Maurício Manfrini e Suely Franco.
O que cria um grande potencial de sucesso é essa proximidade com a realidade da maior parte da população. O enredo brinca com os absurdos ocasionais, mas não deixa de trazer uma realidade comum ao brasileiro, seja como morador do prédio ou de seus funcionários. Assim, assim como Dona Hermínia acabou se tornando uma porta de entrada para discussões familiares sobre homofobia através do riso, aqui ele esconde uma pontuação importante sobre desigualdade econômica e racial.
Mais um ponto que foi levantado na coletiva de imprensa e que diferencia a obra de outros semelhantes brasileiros é seu espaço para silêncios e criação de um humor corporal, mais ligado ao vídeo do que necessariamente ao áudio. Vindos de uma tradição de radionovelas que se tornaram telenovelas que muitas vezes transportam a sua linguagem e encenação para os cinemas, o longa nada contra a corrente. Seja na forma que Rosivalda se apoia na vassoura ou no olhar gentil de Waldisney, há uma camada extra de refinamento do humor.
Recorre-se ainda a uma camada de nostalgia homenageando dois artistas brasileiros que morreram durante a pandemia de Covid-21: Paulo Gustavo e Marília Mendonça. O primeiro tem uma homenagem direta na locação, a mesma utilizada para Minha Mãe É Uma Peça. Já a segunda é através da icônica música Alô Porteiro, utilizada diversas vezes ao longo do filme.
O entrosamento e harmonia da equipe durante a coletiva de imprensa transparece em cena e sente-se que este foi uma obra na qual elenco e equipe tiveram prazer em trabalhar. Abrindo portas para uma nova franquia de comédia de sucesso, basta saber se a distribuição do longa será realizada de maneira que leve o público ao cinema.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Imagem Filmes. Verifique a programação na sua cidade.
As Tartarugas Ninja: Caos Mutante (Jeff Rowe, 2023)
Texto escrito por Carol Ballan
É impressionante como As Tartarugas Ninja conseguiram levar o “caos” mencionado no título como um princípio regente de seu novo longa-metragem. Após dois longa-metragens em live-action que não performaram bem nem em crítica nem com o público, havia razão para certa cautela do novo filme. No entanto, adotando uma animação estilizada e dando fim a certos erros do passado, ele é uma grande surpresa.

Vindo na onda de outras animações premiadas como Homem Aranha no Aranhaverso e Gato de Botas 2: O Último Pedido, o uso da linguagem estilizada na animação é parte importante da obra. Sem a estranheza dos CGIs interagindo normalmente com humanos é possível entrar na jornada de maneira mais engajada. Entendemos então a dinâmica das quatro tartarugas-mutantes-ninja que foram educadas a temer os humanos tendo contato com eles e percebendo que nem tudo que seu pai adotivo dizia era verdade. E aos poucos vamos nos identificando com o coming-of-age de tartarugas ninja.
Além das imagens vívidas e que transparecem a ação da obra, a dublagem brasileira é um elemento de muito sucesso. Com piadas atuais e foco nos adolescentes, ele agrada tanto este público quanto os adultos mais aventureiros. Tenho curiosidade de assistir o original em inglês para descobrir se eles também transmitiram tão bem os ímpetos da adolescência.
Não sendo uma boa conhecedora do universo dos personagens, essa também foi a primeira vez em que compreendi as diferenças de caracterização dos personagens. O uso de um vilão que também fica em um espaço de vácuo para os adolescentes também ensina uma lição sobre o perigo das meias verdades. Mas isso de uma maneira que diverge bastante do careta e ensina de maneira divertida.
É difícil falar do filme sem citar também a sua trilha sonora. As músicas de hip hop dos anos 1990 são bastante nostálgicas para os 30+, trazendo mais um elemento de identificação com essa geração que inicialmente não é público-alvo da obra. E a trilha sonora original, que varia desde sons eletrônicos e deslocados tornando momentos mais complexos até explosões de alegria, que também transmitem os altos e baixos dessa fase de descoberta.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Paramount. Verifique a programação na sua cidade.