A Mensageira (Brasil, 2024)
Título Original: A Mensageira
Direção: Cláudio Marques
Roteiro: Cláudio Marques
Elenco principal: Clara Paixão, Daniel Farias, Evelin Buchegger, Edvana Carvalho, Hamilton Borges, Márcia Lima e Heraldo de Deus
Distribuição brasileira: Atualmente sem distribuidora oficial
Duração: 140 minutos
São poucas as pessoas que sabem o que faz um oficial de justiça. Porém, para não manter o espectador em dúvida sobre o trabalho de Íris (Clara Paixão), já na primeira cena vemos ela em situação de conflito em seu trabalho. Ela precisa desocupar uma área para cumprir um mandato, e para isso precisará desabrigar uma grande quantidade de famílias. Então, como se ela tivesse encontrado uma falha na matrix, o filme se desenvolve nessa temática de começar a conhecer o mundo de maneira mais realista e responsável.
Acompanhamos essa jornada que acontece em uma versão de Salvador que raramente vemos em tela. Como afirmado na coletiva de imprensa, a fotografia em preto e branco foi uma das escolhas feitas para criar tal efeito. Mas além disso, os locais mostrados são estranhos ao olhar de qualquer pessoa que não more ali, com opulentos prédios oficiais se opondo ao cinza de uma grande cidade. Esse tom estranho se aprofunda com as excelentes atuações, que afirmadamente foram muito trabalhosas ao ator. É realizado um trabalho de livrar-se dos preceitos e preconceitos para a atuação mais limpa o possível, deixando ao espectador a maior parte das interpretações.
Íris começa então a desenvolver essa caminhada para a compreensão tanto de seu trabalho judicial quanto com um trabalho espiritual, sendo também a mensageira encarregada de trazer a justiça em uma situação particularmente injusta. A religiosidade aparece como elemento muito importante, também ligada ao fato de Íris ser uma mulher negra em um contexto onde muitos cargos acima dela, só há brancos. E, infelizmente, na situação de quem sofre com a decisão deles, há em sua maioria pessoas também negras. A ancestralidade toma um papel bastante importante e que ajuda a guiar a mulher mesmo quando ela mesma se encontra com seus olhos (reais, não metafóricos) machucados.
Em questão desse discurso, a obra pode parecer intimidadora por sua sinopse, mas tem um texto simples e que por vezes insistentemente traz todos os elementos, mesmo os mais icônicos, excessivamente reiterados ao espectador. Há momentos em que o filme flerta com o fantástico, tendo boas cenas surreais apavorantes que são o ápice de seu desenvolvimento. Aqui, sem maiores explicações, somos levados a um universo interno em colapso.
Dada a trama, os elementos estéticos são o que mais chamam atenção no filme. Tanto pela escolha de locações imponentes quanto pelas escolhas de figurino do elenco, percebe-se que a contraposição entre justiça e injustiça está colocada em todas as cenas. O formalismo da fotografia é bastante claro a partir do uso do preto e branco. No entanto, quando a cada quadro temos um novo enquadramento excessivamente pensado, a somatória do longo filme se torna muito cansativa. Mesmo que se compreenda a importância da mensagem e o carinho quase artesanais em cada departamento da obra, por vezes é difícil manter a atenção que o filme deseja.
Na noite de estreia do longa, o diretor afirmou que não estava tentando inventar a roda, mas sim contar uma história de uma maneira que nunca foi contada. Esse objetivo é bem cumprido, trazendo um tema de transformação de maneira nunca antes vista em tela - trazendo com isso seus ônus e bônus.
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