As Noites Ainda Cheiram a Pólvora (Moçambique, Alemanha, França, Portugal, Holanda e Noruega, 2024)
Título Original: As Noites Ainda Cheiram a Pólvora
Direção: Inadelso Cossa
Roteiro: Inadelso Cossa
Elenco principal: Maria, Moises, Inadelso, Anacleto e Elisa
Distribuição brasileira: Atualmente sem distribuidora oficial
Duração: 90 minutos
Apesar da colonização realizada pelo mesmo país, Portugal, já nos primeiros momentos percebemos que a língua tomou caminhos diferentes, pois pouco conseguimos compreender do que é falado. Quando Inadelso Cossa adentra o interior do país, a língua local substitui o português e então realmente não compreendemos o que é dito. É óbvio que a linguagem falada não é uma barreira no caso de um filme legendado. Mas infelizmente a linguagem fílmica faz com que essa intransponibilidade da linguagem seja aumentada.
Cossa volta à aldeia em que cresceu para tentar entender porque a avó, agora já uma idosa com Alzheimer, falava para ele que os tiros da guerra civil enfrentada pelo país eram na realidade o som de fogos de artifício. Refletindo sobre a memória implantada, ele tenta conversar com uma pessoa que está perdendo a memória. E aproveita também para tentar compreender melhor como foi o período para as outras pessoas que habitavam na região naquele período.
O diretor faz uma escolha ativa em filmar principalmente à noite, em relação com o momento que busca rememorar no filme. Mas com isso, apesar de criar uma fotografia conceitual bela, ele perde um fator muito importante no trabalho documental, que é a expressão de quem é entrevistado. Como ele mesmo utiliza iluminação artificial, seria possível realizar essas entrevistas com maior sensibilidade a quem está sendo entrevistado. Só que essa escolha conceitual invisibiliza novamente essas pessoas que já não têm muita visibilidade.
A própria provocação das memórias dolorosas parece muito desagradável a quem está dando as entrevistas, com os momentos em que a avó aparece em tela sendo dolorosos de assistir. Não por conta da doença em si, mas pela necessidade do diretor em reforçar a falta de memória e até impor a ela uma realidade - algo que não deve ser realizado com pessoas com demência. Por mais que se compreenda o mergulho que ele está fazendo em seu passado, isso acaba sendo mostrado em tela de forma egoísta e sem preocupação com as pessoas sendo retratadas.
Ao mesmo tempo, quando pensamos nas questões técnicas, é difícil fazer qualquer crítica ao longa. Entre as pesadas imagens da noite são colocados momentos comuns do dia a dia das pessoas, lembrando a sua resiliência e capacidade de lidar com o passado para conseguir suportar o presente. Os momentos que mostram a captação de sons de animais à noite são extremamente representativos, tanto pelo silêncio indicativo da paz quanto por essa natureza que chega a oprimir pessoas mais acostumadas ao ambiente urbano. A oralidade, que é marca do modo de contar histórias africano, é respeitada e reproduzida de maneira audiovisual para que o resto do mundo tenha acesso a ela.
Ainda assim, o resultado é um filme conceitualmente complicado e difícil de assistir quando pensamos nas questões éticas de como conduzir suas entrevistas. Ele quer adentrar em suas memórias, e apesar de refletir muito sobre como fazer esse filme, não reflete sobre a possibilidade dos outros de não querer reviver o passado.
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