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Foto do escritorCarol Ballan

13º Olhar de Cinema | Dia 12/06 | Retrato de um Certo Oriente

Retrato de um Certo Oriente (Brasil e Itália, 2023)


Título Original: Retrato de um Certo Oriente

Direção: Marcelo Gomes

Roteiro: Maria Camargo, Marcelo Gomes e Gustavo Campos, baseados na obra de Milton Hatoum

Elenco principal: Rosa Peixoto, Wafa'a Celine Halawi, Eros Galbiati e Charbel Kamel

Distribuição brasileira: O2 Play

Duração: 93 minutos


A adaptação de qualquer obra de Milton Hatoum para o cinema é difícil, tanto por seu olhar para o metafísico da vida quanto pelo nome quase intimidador tamanho seu sucesso. A de Relatos de um Certo Oriente parece, como o próprio disse em coletiva de imprensa, impossível. Nunca pensado para ser adaptado, seu romance de estreia mistura vozes narrativas para contar uma história de imigração profunda e próxima de sua história pessoal. Então, é duplamente impressionante o trabalho de Marcelo Gomes em não só adaptar uma narrativa, mas também conseguir transpassar um estilo literário para as telas de cinema.


cena do filme retrato de um certo oriente

A história dos irmãos Emir e Emilie, que saem de um Líbano em guerra em busca de uma vida melhor no Brasil, é a história da maioria das famílias brasileiras, em um passado mais recente ou mais antigo. Assim, mesmo sendo menos familiarizados com situações específicas do mundo árabe, todos os espectadores conseguem se conectar à história. Mais do que isso, utilizando a grande viagem de navio como uma metáfora da profunda transformação do ser, se aproxima ainda mais da qualidade humana de sempre haver tempo para as pessoas se transformarem.


E ele começa com uma força enorme. Uma infinidade de logotipos mostram a dificuldade da produção que sofreu por conta da pandemia, mas são seguidos pela longa imagem de uma árvore que se transforma em água e já mostram claramente qual será o tom da obra que vem em seguida. Com uma situação de convivência forçada pelo limite da estrutura do navio, vamos entendendo como floresce a relação entre Emilie e Omar, assim como a profundidade do ciúme possessivo do irmão pela irmã. E com uma visão humanista do mundo, Gomes nos convence aos poucos das possibilidades de paz em um mundo que parece caótico.


O audiovisual é colocado em suas melhores formas. O roteiro é enxuto, com uma estrutura narrativa clássica e motivos claros. Os atores, selecionados a dedo, são um retrato claro da diversidade de culturas que convergiam ao Brasil naquele momento. Sobra então para a fotografia, direção de arte, som e montagem criarem um espetáculo a partir do que lhes é oferecido. Com cada um dos setores fazendo um trabalho minucioso e sensível, cria-se um filme com cenas memoráveis e que impressiona pela profundidade, como as que mesclam rezas diversas e em diversos idiomas de maneira harmônica. A fotografia pensada plano a plano, como afirmado pelo diretor também na coletiva, consegue impressionar em todos os momentos, sendo quase um reflexo do momento interno dos personagens.


A montagem e o som fazem outra parte desse trabalho. Cenas que se fundem são utilizadas como um marcador das transformações que estão acontecendo, sendo a natureza constante um observador da humanidade. O ambiente sonoro é essencial, pois também é um símbolo da realidade daqueles personagens. Sejam os sons do deserto, o ritmo marcado e opressor de máquinas do navio ou a profundidade da mata amazônica, é possível se sentir exatamente na situação em tela.


Existe um fator afetivo que é impossível de dissociar da obra para uma bisneta de imigrantes libaneses. A direção de arte consegue trazer esses objetos de afeto de uma maneira sútil, mas que mostram a preocupação com todos os detalhes. Da escova de cabelo na penteadeira até o formato inspirado no Oriente Médio das construções, a sensação de casa de avó é um conforto para a descendente que assiste.


Assim, pouco a pouco o filme consegue compor uma imagem clara dos opostos do que é comunicável e incomunicável. De um lado, uma sinergia de pessoas, religiões e imagens que buscam uma convivência pacífica. Do outro, o sofrimento sozinho e calado, que não consegue ser colocado para fora. Para coroar o filme, a memória. Pois sem a memória em escrita, filme ou fotografias, a existência para de fazer sentido. Pois sem a arte, a comunicação se torna impossível.


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