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Foto do escritorJean Werneck

Crítica | 48a Mostra | Tudo Que Imaginamos Como Luz


Tudo que Imaginamos Como Luz (França, Índia, Países Baixos, Luxemburgo e Itália, 2024)


Título Original: All We Imagine As Light

Direção: Payal Kapadia

Roteiro: Payal Kapadia

Elenco principal: Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam, Hridhu Haroon, Azees Negumangad, Anand Sami e Madhu Saja

Duração: 118 minutos 


Payal Kapadia lança luz sobre as esposas que vivem à sombra de seus maridos na cultura indiana conservadora.


Prabha (Kani Kusruti) e Anu (Divya Prabha) são colegas de quarto e trabalham juntas como enfermeiras em um hospital público da cidade. Apesar de dividirem a rotina, levam vidas bem diferentes. Enquanto Prabha se preocupa em seguir as tradições culturais e ser respeitada, Anu se diverte com um romance proibido como forma de escapar da labuta diária.


duas mulheres em cena do filme tudo que imaginamos como luz

É justamente nessas diferenças de exercício da feminilidade, em um país predominantemente patriarcal como a Índia, que Payal Kapadia reflete sobre a identidade da mulher para além de seus papéis sociais. A diretora chamou a atenção como um expoente do cinema indiano contemporâneo em 2021, quando seu documentário Uma Noite Sem Saber de Nada foi premiado no Festival de Cannes. Na edição deste ano, Kapadia voltou a ganhar destaque com Tudo Que Imaginamos Como Luz, seu novo longa de ficção que aborda o processo de emancipação das mulheres indianas, conquistando o grande prêmio do júri.

Um dos elementos que torna Tudo Que Imaginamos Como Luz tão interessante é a forma como o filme explora a independência feminina em culturas mais conservadoras. Kapadia é uma das poucas cineastas indianas, além de Mindy Kaling — outra realizadora indiana que conquistou espaço no mercado audiovisual internacional — que traz representatividade feminina do seu povo em seus projetos. Enquanto Kaling desconstrói estereótipos e imprime sua marca em projetos autorais com humor e originalidade, como a série adolescente Eu Nunca..., Kapadia se destaca pela sensibilidade com que compreende os desejos e barreiras internas de suas personagens e pela maneira universal com que traduz essas questões. Partindo dos desafios de gênero que permeiam a sociedade indiana, a cineasta também alcança anseios que ressoam globalmente.


Kapadia contrapõe a personalidade expansiva e ousada de Anu ao jeito contido e reprimido de Prabha, refletindo sobre as diferentes formas com que essas mulheres reagem aos papéis de gênero impostos pela sociedade. Prabha se anula para ser a esposa perfeita de um marido ausente e evita dar abertura a um colega de trabalho que a corteja de maneira romântica. Por outro lado, Anu desafia tabus religiosos ao se envolver com um parceiro muçulmano, mesmo sendo constantemente repreendida por sua melhor amiga. O enredo é enriquecido por pequenas tramas secundárias, como a de uma senhora internada no hospital que vê o fantasma do marido falecido, ou a de uma amiga de Prabha que enfrenta dificuldades jurídicas após ficar viúva, caindo em vulnerabilidade econômica. Essas mulheres são assombradas pelos casamentos como acordos sociais ainda muito presentes na Índia.


Apesar de seu roteiro afiado, Tudo Que Imaginamos Como Luz tem um problema de ritmo. A primeira metade do filme oscila entre o melodrama e a comédia romântica, sem decidir qual atmosfera predomina. Os planos abertos da cidade à noite, que observam a rotina urbana, contrastam com as conversas de Anu e seu namorado por mensagem, exibidas na tela, criando uma certa desconexão com o espectador. No entanto, na segunda metade, Kapadia se reconecta com sua essência como cineasta ao levar as duas enfermeiras para uma viagem à praia, onde elas também se conectam com suas próprias naturezas. A obra, então, encontra o movimento das ondas e se encerra de maneira sublime.


O que Anu e Prabha "imaginam como luz" pode ser interpretado como o esclarecimento que obtêm sobre quem são e qual é o seu lugar no mundo, iluminando uma liberdade que, por vezes, é obscurecida pelos papéis que lhes foram impostos.


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