Anora (EUA, 2024)
Título Original: Anora
Direção: Sean Baker
Roteiro: Sean Baker
Elenco principal: Mikey Madison, Paul Weissman, Mark Eidelshtein, Lindsey Normington, Emily Weider, Vincent Radwinsky, Sophia Carnabuci, Brittney Rodrigues
Duração: 139 minutos
Distribuição Brasileira: Universal Pictures
Sean Baker visita Hollywood com uma comédia maluca hilária protagonizada pela efervescente Mikey Madison.
Em uma noite casual de trabalho, Anora (Mikey Madison), uma stripper, conhece um jovem milionário russo com quem cria uma química instantânea. Após alguns programas agendados fora de seu local de trabalho, ela tem a chance de mudar de vida com a bolada que ele oferece para que eles assumam um relacionamento exclusivo por uma semana. No entanto, o combinado sai caro quando os pais de Vanya (Mark Eydelshteyn) descobrem suas aventuras, e o acordo entre os dois sai dos trilhos.
Conhecido por dar vida a histórias sobre profissionais do sexo por meio de seus filmes, Sean Baker retorna aos cinemas com Anora, em um estilo um tanto mais americano e açucarado do que de costume. Quem conhece outras obras aclamadas do cineasta — como Projeto Flórida, Tangerina ou Red Rocket — está habituado a um estilo independente e intimista, longe do cinema mainstream de Hollywood. Contudo, em Anora, Baker suaviza sua estética alternativa e se rende a uma comédia popular. Fica, então, a pergunta: estaria o diretor se vendendo para o mercado em detrimento de sua autenticidade?
O questionamento é, de fato, relevante; afinal, Anora rendeu ao cineasta o maior prêmio de sua carreira até o momento, Palma de Ouro do Festival de Cannes deste ano. Entretanto, o que chama a atenção no mais novo projeto do diretor não é apenas a mudança em seu estilo cinematográfico, mas como ele consegue fazer essa transição com excelência.
A rotina e as adversidades sociais enfrentadas por profissionais do sexo, características dos longas de Baker, ainda estão lá, assim como seu compromisso em humanizar essa classe para o público e tratar de narrativas universais que dialogam com esse grupo estigmatizado. A maneira cínica, caótica e potente com que ele encara a profissão da personagem-título é prova disso. Acompanhamos a rivalidade entre as strippers no camarim, os comentários tarados dos clientes, a boemia da madrugada e a dureza crua dos dias de Anora. Você assiste à primeira meia hora e pensa: “esse definitivamente é um filme do Sean Baker”.
Contudo, conforme a trama avança e introduz o trio de capangas coordenados pelos pais de Vanya — com destaque para Yuriy Borisov em um papel singelo e peculiar como Igor —, o espectador é abruptamente levado a uma comédia maluca, ou screwball comedy, como no original. A atmosfera desse subgênero da comédia estadunidense, em que uma sequência de situações inesperadas ocorre em ritmo frenético, domina o filme e leva o público a se aventurar com os personagens atrás do foragido e irresponsável Vanya pela cidade de Nova York. Dessa forma, o humor se torna o foco central do enredo, com diálogos rápidos e atrapalhados, além de uma montagem com cortes secos que trazem ainda mais dinamicidade à trajetória inusitada. Ao menos em minha sessão no cinema, as gargalhadas ecoaram pela sala e foram seguidas até mesmo de aplausos pela sagacidade de algumas cenas e pela capacidade da direção de guiar a experiência com leveza.
Ademais, está na fusão desses dois últimos parágrafos o maior feito de Baker em Anora: a capacidade de combinar a temática que lhe é familiar em sua filmografia com um estilo mais distante de sua especialidade, mostrando destreza na execução. Aliás, essa execução é em grande parte possibilitada pela presença de Mikey Madison. A atriz se tornou conhecida após seu papel na série de comédia Better Things e sua participação na franquia de terror Pânico, e aqui consegue a atenção que merecia. Sua performance, ao mesmo tempo em que exala a autoconfiança e teimosia de uma protagonista clássica da screwball comedy, consegue alcançar a vulnerabilidade e delicadeza subterrâneas que acompanham as personagens de Baker. É um casamento muito mais promissor do que o de Anora com Vanya, e um negócio definitivamente mais vantajoso.
Portanto, Sean Baker fez uma comédia hollywoodiana para ser reconhecido pelo mercado? Talvez. Mas que preciosa é a combinação do tom ácido deste realizador com a doçura das comédias malucas.
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