Red Path (Tunísia, França, Bélgica e Polônia, 2024)
Título Original: Les enfants rouges
Direção: Lofti Achour
Roteiro: Doria Achour, Lofti Achour e Sylvain Cattenoy
Elenco principal: Eya Bouteraa, Wided Dabebi, Latifa Gafsi, Noureddine Hamami, Ali Hleli, Rayen Karoui e Mounir Khazri
Duração: 97 minutos
Há muitos documentários que são realizados porque a vida real pode ser mais expressiva que a ficção. Mas o que fazer quando a realidade mais dura que a ficção pode ser apenas mais uma página em jornais ou em um livro de história?
É com praticamente essa pergunta que o diretor tunisiano Lofti Achour se deparou ao pensar em um triste episódio da história do seu país no qual grupos armados antigoverno se escondiam nas montanhas e mataram um jovem pastor. Infelizmente, é fácil descobrir através de pesquisa que mais de um caso como este foi registrado no país antes do início da primavera árabe e de sua transição para um modelo democrático. Assim, por mais que o que a obra retrata não seja mais a realidade, esta é uma maneira de dar voz a um momento para não permitir que ele seja esquecido.
No longa-metragem ficcionalizado, acompanhamos os amigos Achraf e Nizar que vão levar seu gado para pastar e acabam desviando da rota segura para se refrescar. Neste momento, são abordados pelos terroristas e Nizar é morto, deixando Achraf com a missão de retornar para sua aldeia e entregar a cabeça decapitada à família do garoto. Mas ao invés de focar nesses momentos de horror e violência, a obra foca na missão de Achraf, ainda tão jovem, de lidar com o acontecido e com as consequências indiretas do horror. Dosando bem o que é mostrado, mas deixando clara a barbárie da situação, acompanhamos o luto deste garoto.
Essa decisão é acertada por permitir um pouco de delicadeza em uma história que já é, por si, extremamente bruta. É acrescentado o elemento quase sobrenatural do espírito de Nizar ajudando o amigo a dar cada passo, e este elemento traz até um ar mais poético aos acontecimentos, colocando o valor das memórias como guias para os que ficam quando morremos. A amizade também entra como valor importante em meio a um Estado ineficiente e na falta de qualquer possibilidade razoável de lidar com essa catástrofe.
Para os brasileiros, há um incômodo no uso do filtro amarelado que a fotografia do filme adota, principalmente quando consideramos ele estar ligado a uma estética estadunidense de retratar países latinos como sujos e quentes. No entanto, aqui isto é realizado por um tunisiano, ressignificando seu uso mais ligado ao fato do país ser principalmente desértico. Juntando isso ao fator do vento ser muito representado na obra através do pó e das fumaças, cria-se uma estética que reflete esse abandono à própria sorte que a região tem em relação ao governo. Ele ajuda a contar essa história de distância, abandono e isolamento.
Assim, por mais que o filme pareça excessivamente dramático em alguns momentos, é por essa escolha que se torna possível tornar uma história menos invisível. Sensibilizando o espectador para uma situação que passou invisível pela mídia internacional e que, infelizmente, tende a se repetir nas regiões vizinhas dados os conflitos pós-coloniais. Ou seja, é um caso do cinema dando voz a algo que de outra maneira não seria ouvido.
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